domingo, 18 de dezembro de 2011

NÃO HÁ HISTÓRIAS DE AMOR COM FINAL FELIZ



Um pangolim pousa no varandim da tua varanda de frajipandi e canta uma canção de sonho e de mágoa. Este sábio pássaro africano diz que eu e tu somos de uma geração da utopoia e que vivemos a vida com a poesia de quem se encontra entre um mundo onde acontecem estórias abensonhadas, estórias de amor que até podem ter um final feliz. E como tudo na vida estas estórias acabam quando começam outras estórias.

O nosso pangolim e o meu siripipi trazem no bico uma mensagem tua que me diz que “
não me envergonho de nenhuma das minhas palavras e atitudes…” E é assim que me refugiu na nossa, na tua serra da Lousã onde um dia alguém te disse que tu serias a Maria da Serra Verde. 

É nessa serra que se sonha o mundo, um mundo que contribui para a felicidade de todos os dias mas onde é difícil guardar os rios que correm à procura de um oceano de palavras, de sentidos, de desejos, do ser total.


Estórias simples de vidas, interesses, sentimentos, afetos, emoções, num marejar de desejos, de sofrimentos, de amores, de seres e estares, de um quotidiano onde o vento deixa poemas nas árvores da vida, poemas que sofrem, também, todos os dias de desamores, de desconseguirem estar em momentos reais, acontecimentos banais, singelos e naturais.


Assim é a escrita de Ana Souto de Matos que na poesia da sua vida é como um sentir, um sofrer, uma aceitação de comprender e crescer. No seu livro há um permanente, vamos tomar café?


Esse café que se transforma numa bebida de afetos, quente de sentir, de sofrer, de aceitar, de compreender e crescer que nos abre o peito desde o Índico ao Atlântico, do Senhor do Bonfim à Nossa Senhora da Piedade, da Senhora da Muxima ao ai Timor da nossa solidariedade, de S.Tomé, esse santo olhando um príncipe desencantado como o navegar de um abraço que nos envolve em Bijagós e chega a um cabo que é verde, só de nome, mas que fez nascer uma Cesária Évora que acabou, hoje mesmo, de se despedir desta viagem da vida no nosso planeta Terra e nos aguarda algures num universo de paz e felicidade para num último fôlego nos dizer que “
Nha cretcheu ja`m s`ta ta parti / Oi partida sô bô podia separano / Nha cretcheu lavantá pam bem braçob / Lavantá pam bem beijob /Pam cariciob esse bô face”.

No livro “
Não há histórias com final feliz” , Ana Souto coloca, desde o início, Afonso e Sofia numa negação de amores permeáveis a finais de sentir, de sentirem-se, do sinto, mesmo que infeliz.

Gosta-se dos livros, das pessoas dos livros, dos dias que se afundam nas noites quando olhamos nos olhos e estes olham mais longe do que outros olhos vêm habitualmente. Sofia, grande Sofia, os teus olhos fotografam cogumelos, simples cogumelos sem poesia, cogumelos da tua serra, cogumelos silvestres. Os teus olhos Sofia conseguem olhar os cogumelos mais lindos do teu universo. Ou serão flores?


Sim talvez tenhas razão Sofia, de amarmos a forma doce de sermos, de compreendermos, sensibilidades serranas mas que te colocam numa observação atenta e mesmo aguerrida e lutadora de tudo o que te rodeia.


Depois de falarmos de tanta coisa ainda consegues enviar uma prenda. Um mimo. E deixas colado na porta do desejo um Pessoa desencantado com os amores e e a vida: “
Posso ter defeitos. Viver ansioso e / ficar irritado algumas vezes, / mas não esqueço que a minha vida é / a maior empresa do mundo. / E que posso evitar que ela vá à falência. / Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver / apesar de todos os desafios, incompreensões e / períodos de crise. / Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e / se tornar um autor da própria história. / É atravessar desertos fora de si, / mas ser capaz de encontar / um oásis no recôndito da sua alma. / É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. / Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. / é saber falar de si mesmo. / É ter coragem para ouvir um `não`. / É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. / Pedras no caminho? / Guardo todas, um dia vou construir um castelo.” E para teu desepero Afonso só te respondeu com um seco “obrigado, Sofia, adoro esse poema”.

Será mesmo que as velas ardem até ao fim? Ou será que as palavras se proferem até ao fim? O que quiserem. Só sei que mesmo com sangue transmontano, gozando e partilhando a amplitude dos espaços, as margens onduladas recortadas e esfuziantes do Douro, os verdes contrastando com o azul do céu, estes não vencem o meu vermelho sangue que está todo a sul do Equador onde não há pecado e é proibido proibir. Assim como a utopia as tuas palavras acalmam-me.


Aveiro, Hotel Moliceiro, 17 de Dezembro de 2011

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O MARIMBONDO E O SEU AMIGO TYITWITWI




Que dia fantástico! Estamos a degustar o melhor bife das redondezas, afirmas tu, ou terás dito o melhor bife de Portugal, no Paddock, quando resolvemos encaminhar a conversa para as ajudas económicas da Europa aos mais “pequenos”, da solidariedade, do voluntariado e do que de mais difícil poderá acontecer em 2012. Lamúrias que nos levam a falar desta citânia, da tentativa da Alemanha em tomar conta do continente sem disparar um tiro, da crise de valores e, num minuto, conto-te a estória do marimbondo e do peito celeste, contada há muito por um kota à beira da fogueira, debaixo da mulemba, lá longe na terra da Muxima, e que nos deixa a pensar que devemos ajudar e sermos ajudados mas sem nos matarmos. Reza assim:

O Marimbondo andava muito preocupado porque o seu filho primogénito adoeceu e perdeu a alegria de voar. Levou-o a todos os médicos da região mas ninguém conseguiu descobrir a sua estranha doença. Já desesperado, levou o jovem a um adivinho que depois de uma consulta cuidadosa disse ao pai:
- Para o teu filho ficar bom tens de procurar uma pena do Tyitwitwi e depois passa-a pelo seu corpo. Vais ver que ele fica bom.
O pai Marimbondo encontrou um simpático peito celeste cantando alegremente no alto de uma omu-tya.
- Tyitwitwi, o meu filho está gravemente doente e o adivinho disse que a doença passa, se eu o afagar com uma das tuas penas.
O peito-celeste arrancou com o bico uma pena e deu-a ao pai Marimbondo. Quando ele chegou ao ninho, passou-a pelo corpo do filho e ele ficou logo bom, saindo a voar em alta velocidade.
Um dia o filhinho do Tyitwitwi adoeceu gravemente e ele levou-o ao adivinho. O oráculo dele foi este:
- Procura uma asa de marimbondo, passa-a no corpo do teu filho, que ele fica imediatamente bom.
O pai Tyitwitwi foi ao ninho do Marimbondo e disse-lhe:
- Amigo, o meu filho está gravemente doente e o adivinho disse que ele só fica curado se passar uma asa de marimbondo pelo seu corpo.
O Marimbondo ficou com ar pesaroso e respondeu:
- Tyitwitwi, não posso dar-te uma asa porque só tenho duas e se arrancar uma, nunca mais consigo voar.
O pai Tyitwitwi ficou muito triste e voltou para o ninho. O seu filhinho agonizava e acabou por morrer.
O Tyitwitwi regressou ao ninho do Marimbondo e disse-lhe:
- Não me deste uma asa e o meu filho morreu. A partir de agora acabou a nossa amizade, corto relações contigo porque és egoísta. Eu salvei o teu filho com a minha pena, mas tu recusaste dar vida e saúde ao meu filho com a tua asa.
O Marimbondo ficou muito triste porque o seu amigo não compreendeu que ele não podia sacrificar a sua asa, porque sem ela nunca mais voava e acabava por morrer. Devemos socorrer o próximo sempre que ele precise de auxílio, mas dar o que é essencial para a nossa vida, não pode ser.
O Marimbondo disse ao Tyitwi-twi:
- Nunca me peças uma asa, porque não posso morrer no lugar dos teus filhos ou de ti. Mas podes pedir-me tudo o que não seja a minha vida. E para te provar a minha amizade, quando puseres ovos no ninho, eu e a minha família vamos ficar ao lado a zelar para que nada lhes aconteça.
É por isso que desde então, onde houver um ninho de Tyitwitwi há ao lado um ninho de marimbondo, para pagar a dívida de gratidão que não foi possível pagar com a asa que ia salvar o passarinho doente
”.

Mesmo doentes, os portugueses devem pedir tudo, não devem é dar a asa que os pode matar. Fico a saborear um Camolas tinto que me faz viajar no tempo e recordar os Trovante e uma canção que me avisa que “Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado / Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco / Há sempre alguém que nos faz falta / Ahhh, saudade”.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

TAPARUERE DA DIGNIDADE



Brinco contigo por entrares no Borges com um taparuere e quando disparo se vens à sopa dos pobres resmungas e ficas mesmo zangado pois os tempos não estão para brincadeiras nem tão pouco para apelarmos à pobreza. Recordas-me Mikis Theodorakis, compositor e cantante grego que idolatramos na nossa juventude e adolescência e referes uma entrevista que deu a um programa popular na Grécia.
Theodorakis, num momento em que a Grécia e os países do sul da Europa são colocados sob a tutela da Troika, em que os estados reprimem as manifestações (caso dos Estados Unidos) e que a própria Europa prossegue nos salvamentos financeiros, apela aos gregos e aos europeus a combaterem e alerta para que, ao ritmo a que isto chegou, os bancos voltarão a implementar o fascismo no continente.
Será que são palavras e afirmações fortes e em quem ninguém pode acreditar? Não nos parece. Theodorokais, desde a primeira hora, resistente à ocupação nazi e fascista, combatente republicano desde a guerra civil e torturado durante o regime dos coronéis, possui um capital de credibilização que vai muito para além das más-línguas e dos puristas neoliberais que “empurram” os governos europeus a se submeterem à senhora Merkel e ao chefe de fila Sarkozy. Se também Portugal continuar nesta “onda” será o nosso fim quer como povo quer como nação e o nosso governo não passa de uma “formiga” diante destes “parceiros”. A única solução é levantarmo-nos, fazer o que ainda não foi feito e combatermos pois consideramos esta política “brutal e ofensiva” e por isso é que estamos na rua, protestamos e fazemos greve.
Em carta aberta aos povos europeus e publicada em numerosos jornais, Mikis refere que
"o nosso combate não é apenas o da Grécia, mas aspira a uma Europa livre, independente e democrática. Não acreditem nos vossos governos quando eles alegam que o vosso dinheiro serve para ajudar a Grécia. (...) Os programas de "salvamento da Grécia" apenas ajudam os bancos estrangeiros, precisamente aqueles que, por intermédio dos políticos e dos governos a seu soldo, impuseram o modelo político que conduziu à actual crise.
Não há outra solução senão substituir o actual modelo económico europeu, concebido para gerar dívidas, e voltar a uma política de estímulo da procura e do desenvolvimento, a um proteccionismo dotado de um controlo drástico das Finanças. Se os Estados não se impuserem aos mercados, estes acabarão por engoli-los, juntamente com a democracia e todas as conquistas da civilização europeia. A democracia nasceu em Atenas, quando Sólon anulou as dívidas dos pobres para com os ricos. Não podemos autorizar hoje os bancos a destruir a democracia europeia, a extorquir as somas gigantescas que eles próprios geraram sob a forma de dívidas.
Não vos pedimos para apoiar a nossa luta por solidariedade, nem porque o nosso território foi o berço de Platão e de Aristóteles, de Péricles e de Protágoras, dos conceitos de democracia, de liberdade e da Europa. (...)
Pedimos-vos que o façam no vosso próprio interesse. Se autorizarem hoje o sacrifício das sociedades grega, irlandesa, portuguesa e espanhola no altar da dívida e dos bancos, em breve chegará a vossa vez. Não podeis prosperar no meio das ruínas das sociedades europeias. Quanto a nós, acordámos tarde mas acordámos. Construamos juntos uma Europa nova, uma Europa democrática, próspera, pacífica, digna da sua história, das suas lutas e do seu espírito. Resistamos ao totalitarismo dos mercados que ameaça desmantelar a Europa transformando-a em Terceiro Mundo, que vira os povos europeus uns contra os outros, que destrói o nosso continente, provocando o regresso do fascismo
".
Quem não viu o filme Zorba, O Grego baseado no livro de Nikos Kazantzakis com música de Mikis Theodorakis e que não é mais que um cântico à liberdade do ser humano que vê na existência terrena seu único esteio antes da completa aniquilação? Se não viram vejam e se viram revejam. Não devemos deixar correr uma vida que deixa romper as horas sem saborear os minutos e que esteja calcada num inconsistente sentimento de culpa. Devemos ser os olhos, o nariz, a boca, os ouvidos da dignidade humana.

domingo, 13 de novembro de 2011

ASSATA SHAKUR


Penso que hoje estás mais com aquele ar de mudança de quem pretende acabar com o virus da ópera bufa da democracia. Não me parece que tenha que ver com a feira da castanha e do mel e com um tal Julio Isidro que se calhar nem sabe que existem alguns homens da cultura no nosso burgo e que não seria preciso trazer tanto pimba de longe. Ou será mesmo que andas preocupado de o reinado ter passado de Carvalho para Antunes? Sim sei que estás contente pela saida do último ditador do mediterrâneo, um tal Berlusconi, que não resistiu ao virus que eliminou Zine El Abidine Ben Ali, Muamar Muammad Abu Minyar Gaddafi ou Muhammad Hosni Said Mubarak. Mas para quem se chama Silvio e faz brincadeiras bunga-bunga a sua saída não faz mais do que alegrar o povo e até põe os sinos a repenicar de alegria.
Mas não foi para isso que viemos aqui beber uma jeropiga e saborear umas castanhas com mel. Trazes o jornal e contas-me a estória de Assata Shakur. O que não sabes é que a democracia nada permite ou quase nada aceita se não for para se defender a ela própria. E então quando é o império americano a mandar ainda ficas mais a dizer-me “diz-me como te chamas… e dir-te-ei quem és”. O facto passa-se em Itália e com o futebol. A Federação Italiana de Futebol quer suspender a euipa de futebol que disputa a terceira divisão e que se chama Assata Shakur. Ou o clube muda o nome ou acaba para o futebol da democracia. E porquê? Porque este clube de Ancona, que nasceu em 2001, resolveu ter como lema a promoção do desporto como um direito para todos. E para tal compromisso exigia-se ter um epíteto à altura e para tal adotou o de uma heroína afro-americana foragida. Ativista dos anos 70 e lutadora contra o racismo, militante do movimento Panteras Negras, Assata Shakur, ou melhor Joanne Chesimard de seu nome verdadeiro, é considerada desde 2005, nos Estados Unidos, uma “terrorista interna”.
Perseguida por causa da sua ideologia política, esta militante de esquerda de 64 anos de idade, foi acusada, e presa em 1973, por ter assassinado um polícia. Fugiu em 1979 e foi condenada num julgamento polémico embora tenha sempre afirmado a sua inocência. Viva atualmente em Cuba onde pediu asilo político. Afinal também há americanos que, por motivos políticos, também pedem ajuda a outros países para poderem viver em liberdade. Em Nova York não há nenhuma equipa de soccer ou de basquetebol que se chame Assata Shakur mas os apoiantes desta senhora são incontáveis.
Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes, mas não aprendemos a viver como irmãos”. Palavras de Martin Luther King e que é o lema da associação Polidesportiva Assata Shakur de Ancona. E como tu andas a magicar nas palavras do Bento XVI que afirmou que “todas as crianças batizadas se tornam filhas de Deus, a começar pelo nome cristão”, ficas assim como uma navio à deriva com dores que o tempo não consegue apagar. E pedimos desculpa por esta interrupção mas a democracia segue dentro de momentos, assim mesmo sem sabermos fazer nada do que ainda não foi feito.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

UBUNTU



Entre dois nacos de presunto e um pica-pau regado com algum gindungo, vamos conversando sobre a ganância que invadiu este velho continente europeu e a forma como cada um se tenta salvar mesmo pisando os outros. Corria a conversa quando tu resolves aumentar ainda mais a nossa tristeza e mesmo alguma depressão resolvendo trazer para cima da mesa um mail que te enviaram lá da Senhora da Muxima. Todos atentos fomos ouvindo.

A jornalista e filósofa Lia Diskin, no Festival Mundial da Paz, em Floripa (2006), presenteou-nos com um caso de uma tribo de África chamada Ubuntu.

Contou ela que um antropólogo estava a estudar os usos e costumes da tribo e, quando terminou seu trabalho, teve que esperar pelo transporte que o levaria até o aeroporto de volta para casa. Sobrava muito tempo, mas ele não queria incomodar os membros da tribo. Propôs, então, uma brincadeira para as crianças, que achou ser inofensiva.

Comprou uma porção de doces e guloseimas na cidade, colocou tudo num cesto bem bonito com laço de fita e tudo e pôs debaixo de uma árvore. Aí, ele chamou as crianças e combinou que quando ele dissesse "já!", elas deveriam sair correndo até o cesto, e a que chegasse primeiro ganharia todos os doces que estavam lá dentro.
As crianças posicionaram-se na linha de partida que ele desenhou no chão e esperaram pelo sinal combinado. Quando ele disse "Já!", instantaneamente todas as crianças deram as mãos e saíram correndo em direção à árvore com o cesto. Chegando lá, começaram a distribuir os doces entre si e a comerem felizes.

O antropólogo foi ao encontro delas e perguntou às crianças porque tinham ido todas juntas se uma só poderia ficar com tudo que havia no cesto e, assim, ganhar muito mais doces. Elas simplesmente responderam: "Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?"

Ele ficou desconcertado! Meses e meses trabalhando nisso, estudando a tribo, e ainda não havia compreendido, de verdade, a essência daquele povo. Ou jamais teria proposto uma competição, certo?
"

Ubuntu significa: "Sou quem sou, porque somos todos nós!"

Atentemos para o detalhe desta estória: a essência de todos nós deveria ser por aquilo que SOMOS, não pelo que temos... Talvez assim a maré alta da crise que vamos tentando vencer fosse mais fácil de ultrapassar se remássemos para o mesmo fim, chegar a porto seguro. Para atingirmos os nossos objectivos comuns é preciso adquirir uma postura ética aprofundada, um respeito por todas as pessoas. Lia Diskin numa entrevista recente dada à revista Super Interessante afirma que “Os maiores obstáculos ao sucesso são a agitação, a dispersão e a superficialidade. No Ocidente, eu me atreveria a acrescentar a preguiça”.

Só nós os dois é que sabemos o quanto é dificil tentarmos fazer o que ainda não foi feito no plano da ética e da igualdade.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A CANTIGA É UMA ARMA



O agora anunciado “Livro Verde” (negro, e não verde se ao conteúdo se
fizesse corresponder a cor) para a reforma administrativa do poder
local constitui um verdadeiro programa de subversão do poder local
democrático, uma nova e mais despudorada tentativa de concretização da
velha ambição dos partidos da política de direita de ajustar contas
com uma das mais importantes conquistas de Abril
.
Entras tu de rompante neste nosso repasto feito de navalheiras e
moelas e nem deixas que te convidemos a tentar ser menos verrinoso,
menos agreste. Sabemos que a tua veia transmontana por vezes te leva,
ainda, a comer fascistas ao pequeno almoço, mas que diabo, atenta lá
aos sacrifícios que o zé tem que passar pois isto é uma maldição pan.
Mas eu e tu já não sabíamos que há muito teríamos de fazer o que ainda
não foi feito? Ou continuas com dúvidas? Claro que acabar com a
autonomia das autarquias e submetê-las a uma dependência e
subordinação como existia no tempo da outra senhora sempre foi um
desígnio dos governos de direita incluindo o partido Socialista.
As propostas da troika colocadas em pé de igualdade com algumas das
propostas deste governo são um doce em pão de água. Quem quer
continuar com um poder local participado, plural, colegial e
democrático com autonomia administrativa e financeira? Não acreditas
que sejam aqueles que sob um manto de falsidades e de formulações
generalizantes pretendem a eliminação da eleição direta das Câmaras e
a imposição de um regime de executivos homogéneos construídos sobre
poderes absolutos e com falta de controlo democrático ao exemplo de
Jardins, Isaltinos, Machados, Felgueiras, Ferreira Torres e outros.
E o povo pá? O povo está cá para provar que a cantiga ainda é uma
arma, pá, e que deve e pode refletir os anseios do proletariado
nacional, nestas alturas de grande crise, pá
! Temos que erguer a nossa
voz e manifestarmos a nossa oposição aos projectos de liquidação do
poder local democrático, de mutilação de princípios constitucionais e
de empobrecimento da vida e do regime democrático. porque já vimos que
este Coelho quer ser mais papista que o papa e agora até propõe, muito
mais que a troika, que quem não trabalhou 18 anos só tem direito a 12
meses de salário. Chiça que isto tá mal e se não intervirmos
activamente para resistir e derrotar estes projectos, reafirmando que,
também pelo que agora se conhece, a rejeição do programa de agressão e
submissão constitui um imperativo nacional, na luta por um Portugal
com futuro.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

APRENDER A VIDA


Confesso que hoje não estou nem para aí virado para conversarmos sobre muita coisa, das coisas que acontecem ou vão acontecendo neste Portugal e que nos estão a mandar para caminhos muito perigosos, quer em termos económicos, quer em termos sociais, com uma degradação que choca até os mais distraídos. Claro que me seria fácil estar aqui a falar do rei momo da Madeira, um déspota semelhante a qualquer Bokassa dos anos sessenta e que há muito era denunciado até por “amigos” do partido. Não deveria ser por mero acaso que este “folião” que foi devassando e gastando do erário nacional era conhecido pelo “Kopus Night”. E como quase sempre andava toldado pelos vapores do poder foi-se transformando num pequenino ditador e num grande cacique à moda de muitos senhozinhos Malta que pululam nos sertões brasileiros.
Não, sei que não vou por aí, mas tenho alguns recados a dar-te pegando num livro de Flaubert, um persistente estudioso da estupidez humana. Diz ele a determinada altura que “estupidez, egoísmo e boa saúde são as três condições da felicidade, se bem que, faltando a estupidez, tudo está perdido”. É para este caminho que troikas, ratings e muitos dos nossos políticos nos querem empurrar neste turbilhão de crise, o caminho da estupidez.
O que se passava em 1948, contado por Alberto Pimenta no seu livro Repetição do Caos, ainda hoje tem seguidores. Escreve ele que certo dia “O meu pai foi às finanças fazer um requerimento, e como de costume fez questão de que eu o acompanhasse. Para “aprender a vida” Em casa explicou-me minuciosamente a fórmula e o motivo do requerimento. No fim meteu dentro da folha uma nota de cinquenta escudos, e disse-me: “Esta é a parte mágica da fórmula. Quando tiveres um pedido a fazer, já sabes, o segredo é este. Passados uns meses enviei a minha primeira declaração de amor, e como 50 escudos era para as minhas posses, juntei uma moedinha de vinte e cinco tostões. Nunca tive resposta, decerto foi por ser tão pouco”. Anda muita gente neste País a aprender a vida mas raras vezes consegue ser apanhada na teia da justiça.
Mas Mário Henrique Leiria no seu livro Contas de Gin Tónico ainda consegue ser mais verrinoso para com a sociedade deste tempo. Conta ele “Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o. Depois de ter roubado a caixa do Senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua. Voltou passados vinte e dois anos, com chaufeur fardado. Era diretor Geral das Polícias. Seu pai teve um enfarte.
Meu caro amigo há muitos diretores de qualquer coisa neste Burgo lusófono e não precisamos de ir à Madeira beber maus exemplos, ou a Angola, ou ao Brasil. Temos muitos Imperadores que gostariam de ainda serem Dinossauros Excelentíssimos para poderem esmagar este povo que anda a ser espoliado e espremido até ao tutano.
Hoje foi assim porque nem sempre estou assim, raras vezes sou assim!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

MATUMBOQUEIROS… OU AQUELES QUE VIVEM DA SOCIEDADE DO CUNHACIMENTO



Entras esbaforido a praguejar com tudo e todos, como se nós tivéssemos alguma culpa do estado da nação. Ainda por cima trazes o jornal debaixo do braço e não entendemos se vens descarregar a tua bílis contra nós só porque não estamos mesmo nessa das privatizações. Sabes que por vezes nesta democracia dos ricos apetece estar a cantar canções que nos façam pensar e acordar da letargia em que nos encontramos. Porque somos mesmo nós, os que não somos ricos, que pagamos a crise. Ou tinhas dúvidas? Recordo-te só um pouco dos Vampiros de Zeca Afonso que é mesmo atual: No céu cinzento / Sob o astro mudo / Batendo as asas / Pela noite calada/ Vem em bandos/ Com pés veludo / Chupar o sangue / Fresco da manada.
Mas como eu e tu não pertencemos a nenhum grupo, sejam eles, como tu dizes, matumborizados ou matumboqueiros (aqueles que continuam a ser matumbos mas que pela força do pilim até andam em bando com as suas motas e carros última estampa. Fica já o aviso que nada tenho contra os motoqueiros mas sim por aqueles que assumem uma posição superior só porque cavalgam numa máquina que custa alguns, muitos, euros sem deixarem de pertencer à família dos asininos), então estamos mesmo à rasca. Para esses, os matumboqueiros, não lhes ficava mal visitarem a IX Edição da Feira de Burros – Mostra de Asininos de Miranda que decorreu no dia 4 de Setembro de 2011 na Aldeia da Póvoa (Miranda do Douro). Ficavam a conhecer mais um pouco deste Portugal.
Só nós os dois é que sabemos, não pode ser, não creio que seja assim, que isto vai muito mal. Entre duas cañas estupidamente geladas e loiras bebidas aqui na Sureña, abres-me o dito cujo jornal, Correio da Manhã, e começas a ler-me a quantidade de políticos, ex-políticos, familiares de políticos, amigos dos ditos cujos que hoje estão alojados nas melhores empresas do burgo e que são um autêntico viveiro de emprego para os meninos que terminaram os seus cursos de gestão ou direito e não vão diretamente para o desemprego ou caixas de uma qualquer grande superfície. Dando uma vista de olhos, vejo que se trata de uma investigação superficial pois se fosse mais intensa outros pardais se encontravam. Mas fiquem sossegados que esta não é (PT Portugal Telecom) a única bolsa de emprego do regime. Para que conste, fazem parte dos quadros da PT os filhos/as de: Teixeira dos Santos, António Guterres, Jorge Sampaio, Marcelo Rebelo de Sousa, Edite Estrela, Jorge Jardim Gonçalves, Otelo Saraiva de Carvalho, irmão de Pedro Santana Lopes. E ainda, na empresa ou subsidiária TMN, os filhos de João de Deus Pinheiro, Briosa e Gala, Jaime Gama, José Lamego, Luís Todo Bom, Álvaro Amaro, Manuel Frexes e Isabel Damasceno. Só mais um pouco de democracia, recorrem aos serviços, para pareceres jurídicos, de Freitas do Amaral, Vasco Vieira de Almeida e Galvão Telles. Os colegas destes meninos mesmo com notas de licenciatura superiores trabalham na empresa Desemprego. Perfeita demonstração da sociedade do cunhacimento. Estamos quase a chegar ao “Portugal é bonito e belo, metade do Jorge de Brito, a outra do Jorge de Melo”.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

MATUMBORIZADOS… E LANZAROTE AQUI TÃO PERTO



Hoje vens com muita sabedoria debaixo do braço como se fosses um intelectual armado em professor de café e onde debitas tudo o que te vem à cabeça. Ele é jornais, ele é revistas mesmo as cor-de-rosa, ele é documentos oficiais da troika e do triunvirato nacional e até um dicionário de kimbundu para me deixares assim como criança que vai receber a sua primeira lição de sabedoria. Quando entras assim, logo me parece que vens um pouco rafeiro, até mesmo quase ignorante e talvez a dares uma de asno que, já que és portador do dicionário de uma das línguas faladas em Angola, o tal kimbundu, e pareces mesmo matumbo.
Gritas que este triunvirato que governa o nosso terreno ibérico entrou numa de privatizar tudo. Ele é transportes, ele é eletricidade, ele é água, ele é televisão, enfim tudo o que pode dar lucro e amassar ainda mais os pequenos, zás, privatiza-se. E depois vem o sacro santo discurso que estamos mal, mesmo muito mal, que não temos outra alternativa perante a crise, que mais isto e mais aquilo.
Eu e tu bem que ensinamos que falta fazer o que ainda não foi feito mas o matumbo continua a limpar as mãos às calças, a limpar os sapatos com a toalha do banheiro, a fazer os disparates mais impensáveis e a assobiar para o ar sem pensar que isto não vai e ainda nem sequer chegamos a meio. E o povo pá! Então eu aí vou buscar uma das coisas boas que tem a língua portuguesa, que é não ser uma língua morta, chingar os puristas e os contras do acordo ortográfico e afirmar como aquele kudurista (cantor de kuduru, génereo musical angolano) luandense, que aborrecido com tanta pacatez cívica lá da banda e tanta ignorância, resolveu chamar à grande maioria dos caluandas, matumborizados. Talvez porque os luandenses andem, maioritariamente, de motorizada, o inteligente resolveu dar nome aos que circulam de um lado para o outro sem produzirem nada, nem uma ideia, matumborizados. E não é que o termo pegou e quando queres fazer gozação com alguém por quem não tens simpatia lhe chamas mesmo de matumborizado.
E cá na Portugália, entre duas imperiais, umas canecas, a aguardar melhores dias, logo pegaste no termo luandense, que há-de chegar aos dicionários dos doutores e ficar, e disseste-me que este povo anda amorfo, sem chama, tudo aceita e até parece que andamos todos matumborizados. Num passo de mágica, pegas num livro de José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário III, abres na página 148, e deixas-me ler um pequeno parágrafo para me despertares ainda mais a consciência cívica de um pobre cidadão que tudo aceita: “Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos”.
Apetece-me, também, ir para Lanzarote e desejar boas férias a todos.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A CIDADE É UM CHÃO DE PALAVRAS PISADAS

Entras apressado como se tivesses visto algo de estranho na urbe e como já tudo não te parecesse normal neste Portugal que agora está abaixo de lixo, dito por aquelas almas sapientes das agências de rating que muitos veneraram e os mesmos agora vociferam contra elas. Mais seguro que o Xico Anis afirmas que está tudo mal, a salvação está na geração à rasca e nos desassossegados e que o capitalismo está moribundo. Até o Obama está à rasca e fosse ele grego, irlandês ou espanhol e já estava numa tenda de uma praça da cidade a dizer que isto tá mal e os políticos são uns vendidos. Com teu sorriso de escárnio ainda perguntas como é que isto pode mudar se, ainda agora, viste cá na cidade dos doutores, muitos a dar pancadinhas nas costas do Tozé Vai Seguro e logo a seguir, os mesmos, ufanos, a gritar Xico Anis és o maior. Falta de coluna dorsal, digo eu.
E é por estas e por outras que estes mesmos mafarricos se vão encostando ao poder para manter a aparência, quais emplastros em dia de futebol, e não têm decoro de se colocarem em bicos de pé a apoiar a política do bota abaixo e acabando com as conquistas que tu e eu e mais milhares de zés fomos vencendo ao longo dos anos. Sim, porque são estes arautos do oportunismo que hoje falam em privatizar a saúde, dar de mão beijada serviços de qualidade aos melos, belmiros e misericórdias para encherem ainda mais os bolsos e colocar os sacrifícios nos mais pobres e desculpar as asneiras da banca, seguros e novos-ricos.
O que defendem os arautos do primado do privado não é que o Estado gaste menos em saúde, mas que o Estado transfira para os grupos privados a prestação de cuidados garantindo os clientes e assumindo o pagamento dos custos. Ou seja, que o Estado fique com a promoção e o financiamento, o que tem custos, e os grupos privados com a prestação de cuidados, o que dá lucro. A privatização e o crescimento do papel e da influência do capital no sistema de saúde têm-se saldado pelo crescimento da despesa pública e dos custos pagos directamente pelos bolsos dos doentes, como acontece em Portugal. Os grupos monopolistas favorecidos pela política de direita dizem apostar na saúde como área de negócio, mas o alvo dos seus investimentos não é na saúde! É a doença o centro da sua actividade e a fonte dos seus lucros.
Eles ignoram deliberadamente os resultados obtidos em saúde ao longo dos trinta e dois anos de existência do SNS, medidos a partir de indicadores como o aumento da esperança de vida e taxas de mortalidade, a campanha procura acelerar e aprofundar o processo de privatização em curso de acordo com as orientações expressas nos programas da troika e do Governo, de transferir do Estado, o tal sujeito “demasiado gordo”, para os grupos privados da saúde, uma parte significativa da prestação de cuidados. Mas é preciso destacar que a OCDE considerou que a despesa pública em saúde não tem grandes desperdícios e que será difícil ser muito mais eficiente. Considerou ainda que para os ganhos em saúde da população, os gastos até nem dispararam.
Hoje estás muito sério e eu descarrego a minha fúria num copo de poesia de Ary dos Santos:
A cidade é um chão de palavras pisadas / a palavra criança a palavra segredo / A cidade é um céu de palavras paradas / a palavra distância e a palavra medo.





segunda-feira, 13 de junho de 2011

PRESUNÇÃO E ÁGUA BENTA...

Hoje estamos bué de contentes. Pois... As vozes maledicentes devem pensar que estamos para aqui a conspirar sobre o resultado eleitoral. Nada disso! Só estamos com o espírito mais alegre porque estamos na altura dos santos populares e temos um fraquinho por Santo António e esperamos que ele em vez de falar aos peixes comece a discursar aos homens cá do burgo para ver se temos a virtude de sermos atingidos pela estrela da esperança. Dizes tu, enquanto pensas que ainda há tempo para se fazer o que ainda não foi feito, que tudo tem o seu tempo e que, como diz o povo “há mais marés que marinheiros”. Mesmo que o comandante do navio dê de frosques e vá para Paris estudar filosofia. Te aviso já que o sumo de laranja me dá azia mesmo quando “degustado” com vodka. Ficas avisado que a minha alegria nada tem que ver com a coloração portucalense que vês no mapa político actual.
Tu, verrinoso como és, começas logo por me recitar uma quadra de um poema popular “Apelo a Santo António” que a páginas tantas nos avisa que “
isto chegou a tal ponto / e vão as coisas tão mal / que só varrendo esta gente / se salvará Portugal”. E ainda me falas de um panfleto que te chegou à caixa de correio de um ex, há que tempos é ex mas é como os peixes que depois de tirados da água ainda respiram, candidato à AR por Coimbra que com “consideração e amizade” diz que cá para a nossa santa terrinha ajudou a uma série de obras. Ele é USF, Escolas, Ruas, ETAR, Metro e mais umas tantas realizações. Até parece que o “autarca furão” desta casa velha nada fez durante o seu mandato e que quando ia à capital reivindicar obras só se ficava pelo Beato a pedir ao santinho milagreiro para fazer um esforço e fazer uma limpeza geral. Até parece que só nós os dois é que sabemos que “presunção e água benta, cada um toma a que quer” como dizia o nosso avô, mas a Fernando Carvalho nós sabemos o que lhe custou ter a vila onde está e como está, e como afirmava o Santo “todos eles são matreiros / e vivem à base de golpes”. O povo não é parvo, mas isto está mal e não se vê melhoras para tal estado de coisas.
Estamos, e eu particularmente estou, bué de contentes porque lemos, ouvimos e cremos numa estação de televisão que fala português, a Televisão Pública de Angola, TPA, que o comboio, no próximo mês, vai chegar ao Huambo. Huambo que me viu nascer para a vida e para o mundo, que me fez o que sou hoje e que recordo, com muitas saudades, esse comboio que também era parte da minha vida. O Caminho de Ferro de Benguela, onde trabalhou o meu pai e que hoje também está feliz, fez parte da minha existência durante anos. Foi nele que percorri Angola do Lobito ao Luau, onde a utopia da minha geração se iniciou em parte, os sonhos de uma adolescência corriam nos rios largos da esperança, as savanas do destino se cruzavam com as montanhas do belo. Uma paleta de cores que só quem viveu e sentiu sabe dar valor ao comboio que servindo interesses económicos de uma potência colonial, também serviu de ponto de união entre os angolanos, apesar das diferenças que existiam e se existiam muitas. Durante esses anos nunca ouvi falar em Metro e também nunca foi preciso.
Num abraço solidário, madrugada dentro, vamos lá saindo por esses campos fora e cantando diremos a toda a gente “
Santo António, meu amigo, / rogo-te para ter inspiração / Sabes o que escrevo e o que digo / tenho as palavras no coração”.


quarta-feira, 25 de maio de 2011

ESTES TUGAS DEVEM ESTAR LOUCOS

Ó lindinho, hoje estamos para aqui a derramar sumo de laranja num choro maluco que mais parece uma tristeza tirada da noite escura em que as fotografias tiradas pelo nosso deus colocaram a Vila no mapa do roteiro político. Dizes tu, ou digo eu, promovendo a saúde que queremos universal e para todos, que bebendo sumo de laranja aumentamos o consumo da vitamina C protegendo o corpo contra doenças do presente e do futuro, vantagens sobre o chá de rosas que só nos trouxe problemas da psique. Já estás tu a adaptar-te aos ventos de mudança e à nova coloração que vai varrer o país no 5 de Junho e para a qual já estás preparado. Mas eu que não vergo e acabei de ler Astérix digo-te que “os tugas devem estar loucos”!

Não que eu e tu não encaremos a vida com optimismo, muita utopia à mistura, mas com enorme realismo, sabendo separar o que é real, o que pode ser autêntico, o que deverá ser justo e o que já foi um sonho. E olhamos à nossa volta, ouvimos os nossos políticos e só os vemos “a empurrar a barriga para a frente”sem saberem que nós queremos muito mais do que nos prometem. Haverá muitos de nós que fará como a avestruz mas muitos mais ainda continuam a ter coragem para resistir. Chegou a hora de varrermos o centralão como nossa opção de vida e de governo. Chega!

Perguntas tu como isto pode mudar se os portugueses, apesar da terrível crise, não mudaram os seus hábitos, não querem mexer no seu estilo de vida, não alteram os consumos, apesar dos problemas que vivemos e aqueles que estão para vir num curto prazo de tempo. Colocar a cabeça debaixo da areia para ver se a tempestade passa nada resolve, seja na forma de estar na vida, seja na participação cívica. Extraordinário é ver como os portugueses, a grande maioria, se comporta como eles não fossem os responsáveis dos seus actos. Como os seus políticos, os políticos da situação, falam como se não tivessem estado 30 anos a (des)governar e não fossem os responsáveis por hoje estarmos de cócoras a pedir 80 mil milhões de euros. Foram eles que durante anos a fio nos disseram que podíamos gastar mais do que tínhamos. E eu e tu só sabemos que não quisemos nem queremos ir por aí.

Estão todos a aproveitar até ao fim enquanto não há laranjada na maioria das mesas portuguesas ou se assista a mais um milagre das rosas, e nós, com o FMI, a dizermos como nos vamos matar até encerrarmos a casa arrombada sem trancas à porta. Estão quase todos a fazer de conta que nada acontece e a assobiarem para o ar uma velha canção,”ó tempo volta para trás” e os outros quase todos a darem uma de democratas a soletrarem a letra da canção do Sérgio Godinho “quando tu me vires no futebol...” E como gostas de dizer, enlouquecemos de vez e à vez.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

FANTOCHES


Toma só atenção ao que te vou dizer pois parece-me importante que penses um pouco no que andamos para aqui a falar e a tentar mudar. Sim, porque tu mesmo afirmas que a 5 de Junho nada muda, tudo está pronto para sermos bons rapazes como os da casa do Padre Américo, que a madame alemã já nos disse como nos temos que comportar, que Portugal já foi um País e até o Afonso Henriques já não tem forças para tanta traição, que já não temos vontade própria e que estamos bem piores que antes de um pec 4


Então chega-me à memória uma das imagens que mais me marcou na minha infância e que ficou para sempre na memória das coisas boas da vida. Aos fins da tarde na praia da Póvoa do Varzim surgiam sempre uns artistas que faziam teatro de luva que divertiam e encantavam a pequenada. Os Robertos maravilhavam tudo e todos. Mostras-me um texto de S.A. Marionetas, D. Roberto, que me traz à memória, não uma frase batida, mas um mundo de sonhos e de encantamentos. É dito ali que “o Teatro de Robertos representa, seguramente, uma das tradições mais antigas das artes cénicas, não só na sua vertente portuguesa e europeia, mas também nos heróis populares do oriente. De facto, a origem desta forma de arte popular de representação remonta, na tradição europeia à Commedia dell' Arte italiana do século XVI e não parece ser improvável que as tradições orientais tenham tido, de alguma forma, influência na evolução deste tipo tradicional de representação. É durante o século seguinte que a deambulação de artistas, principalmente franceses e italianos, proporciona uma miscigenação neste tipo de teatro, estando a sua evolução intimamente relacionada com as especificidades culturais de cada país. Em todo o caso, traços constantes atravessam todas as tradições europeias de heróis populares: o carácter subversivo/burlesco dos textos e representações, a utilização de palhetas que emitem sons estridentes (simultaneamente ideais para captar a atenção do público bem como para realçar a sincronização gesto/som, tão importante na criação de uma aparência de "vida" nos pequenos bonecos de luva) e, por fim, a invencibilidade dos heróis, capazes até de vencer o pior dos inimigos - a morte. Em Portugal, o herói popular chega aos nossos dias com o nome de D. Roberto, apesar de, no século XVIII, várias serem as designações para este teatro de fantoches de luva. A prevalência deste nome está, por ventura, ligado a uma comédia de cordel com grande repercussão, intitulada "Roberto do Diabo" ou a um conhecido empresário de teatro de fantoches, Roberto Xavier de Matos”.


Ainda não pensava eu que em pleno século XXI havia de existir um Roberto a defender as cores do meu clube e que uma das vezes parece burlesco mas na grande maioria do seu trabalho proporciona alegria ao povo. E tu acabas este nosso encontro falando-me de fantoches que não são mais do que uma forma particular de marioneta animada por uma pessoa e que se distingue pela manipulação. Entendes agora porque no período revolucionário, neste Portugal tão belo, tu apelidavas de fantoches a uma série de gente que se portava como marionetas de um qualquer Carlucci ou Mobutu e hoje te apetece não apareceres a 5 de Junho porque os “papagaios” que andam por aí a tentar “vender” tudo e todos não passam de uns fantoches de uma Europa decadente.

Não todos são fantoches, digo eu e dizes tu que sabemos que “Nariz que reconhece o cheiro do pilim/Distingue bem o mortimor do meirim” como cantava José Mário Branco na canção FMI.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

25 do 4 e 1 do 5 - O QUE OS HOMENS SÃO NO FUNDO

Estás tu aí, provocantemente, deliciando-te com um tinto do Douro e perguntando-me onde estão os da terra, que até se passeiam de cravo vermelho ao peito, neste vinte e cinco de Abril. Falas-me da terra da fraternidade, falas-me do que está a acontecer neste cantinho que tu cantas com a tua voz de raiva e que eu digo que muito pouco fazem por ele. Escrevemos com as palavras do pensamento o texto da poesia de quem cantou trovas ao vento que passa mas que não entende como a democracia é diferente quando falas da Líbia, da Síria, do Iémen, da Tunísia, do Egipto. A mesma democracia que tudo perdoa à Arábia Saudita, à Tailândia, ao Kwaite, a Israel. Só sabemos que não vamos por aí.

Se estavas à espera que, enquanto me delicio com um Porto de trinta e sete anos, tantos como os filhos da madrugada reclamam estar em liberdade, falasse de um 1º de Maio em que aqueles que ficaram desiludidos com o que ainda não foi feito, então enganaste-te. És o amigo maior que o pensamento, o amigo que por essa estrada vem, mas que não perco tempo porque o vento é meu amigo também e me diz que só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação. Falta, afinal, tanta coisa por fazer para que aqueles que em sonhos me visitam deixarem de pertencer à geração da utopia e começarem a construir a democracia participativa. Dizes-me que as ondas do mar são brancas e no meio amarelas e que há quem nasce para morrer no meio delas mas que não consegue viver desse mar salgado porque um Aníbal neste Portugal democrático deixou que a Europa acabasse o ganha pão dos nossos pescadores de barca bela. A mesma senhora que agora nos manda o FEE e mais o FMI para dar “uma esmolinha aos pobrezinhos” mas a troco de deixarmos couro e cabelo nos cofres de uns neo-qualquer coisa cheios de pi-pis de quartzo.

Acima desta pobre gente vimos subir quem tem bons padrinhos, de colarinhos gomados perfumando os ministérios e que se dizem donos de homens sérios. Embora sejam ladrões e puderem roubar à vontade, todos lhe apertamos a mão porque são homens de sociedade. E ninguém lhes vai aos costados. De repente dá-me um desejo enorme de querer fugir, querer ir para o monte porque no monte é que se está bem, onde não veja ninguém. O monte está no cimo daquela serra onde está um lenço de mil cores e que me diz viva. E é aqui que ensino ao meu filho a lavra e a colheita num terreno ao lado das palavras e de nada me arrependo poque só a vida me ensinou a ser um homem novo que veio da mata. Embora os meus olhos sejam os mais pequenos do mundo (ainda me gozas dessa maneira), o que importa é que eles vejam o que os homens são no fundo. E é com António Gedeão e José Afonso que deram alma e corpo a este texto que nós os dois sabemos quem está no 25 de Abril e se mostra solidário no 1º de Maio. Porque nós já vivemos mais de cem mil anos.

domingo, 10 de abril de 2011

MATA BICHO

Desgraçadamente eu e tu estamos para aqui sem falar, quase sós, sabendo que falta tanta coisa neste burgo que possa ter sentido e seja racional e que, por isso, até os irracionais que ladram e se passeiam na Praceta nos parecem hoje mais tristes, E nós os dois sabemos que este mata bicho que tomamos num repente pode significar tanta coisa… Sim não estamos a beber um gole de aguardente em jejum e que cá na nossa banda se chama de mata bicho, nem estamos a dar um presente, uma lembrança, uma prenda ou uma gorjeta que em Moçambique, Brasil ou São Tomé e Príncipe tem o nome do bicho matado. Estamos mesmo a beber o nosso café da manhã com uma torrada simples, a experimentar a primeira refeição da manhã, a termos o nosso desjejum como o fazíamos na terra que nos viu nascer, Angola, e que também na Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé, se chama mesmo de mata-bicho. Um regionalismo afirmas tu todo sarcástico porque me vais contar a história dos bichos que foram mortos cá por estas bandas mesmo antes de serem adoptados por quem gosta de vida. E nesta história mais uma vez a culpa morreu macaca. Mas eu que gosto mesmo muito da vida, conto-te que afinal mata-cães eram aberturas no chão entre as mísulas que sustentavam as ameias ou os balcões das fortificações mediavais, através da qual se podia observar os atacantes que se encontravam na base da muralha defensiva, agredindo-os com pedras ou outros objetos. Os mata-cães localizavam-se nas partes mais altas das muralhas, nas torres ou noutras fortificações, sobressaindo destas para a parte exterior. Numa de intelectual ripostas tu que Matacães é uma freguesia portuguesa do concelho de Torres Vedras. E assim vamos viajando no autocarro do conhecimento porque o comboio do futuro já era, até à cidade dos doutores. Chegados ao Largo da Portagem vem-nos à memória outro Mata, não de cães mas de outra espécie animal, o Mata Frades. Sim porque Joaquim António de Aguiar, nascido em Coimbra a 24 de Agosto de 1792, político português do tempo da Monarquia Constitucional, foi conhecido por Mata-Frades porque fez publicar uma lei antieclesiástica em que mandava extinguir todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares, sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional. Por estas e por outras é que teve a alcunha que teve e o dito homem até tem estátua no Largo da cidade. Num rasgo de luminosidade suprema, porque só nós os dois é que sabemos, temos uma ideia a propor ao Regedor do reino da Princesa Peralta e, não fica mal também pedirmos ao Princepezinho Luís, que construa uma estátua, na Praceta cá do Burgo, ao nosso Mata Cães e Gatos. Afinal também queremos ficar no GPS da história, Para que o nosso “herói cão” de matar qualquer coisa não deprima, nem fique psicológicamente na maré de baixo, se a estátua não for erguida com pompa e circunstância, deixamos um osso difícil de roer que não é, nem mais nem menos, um pouco de um poema de um Cão que não foi tétrico, nem frágil, nem de orelhas engomadas, mas um Cão estouvado de alegria, Alexandre O’Neill. Então aí vai para roer até final: cão de pura invenção, cão pré-fabricado, cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija, cão de olhos que afligem,cão-problema... / Sai depressa, ó cão, deste poema!

sexta-feira, 25 de março de 2011

HÁ HOMENS QUE TEM OS OUVIDOS NAS COSTAS

Ainda agora aqui chegamos e já me estás a falar que o coelho saído da cartola já anuncia aumento de impostos! Se não tivesse assistido às últimas cenas tristes de uma classe política que é subserviente e se apresenta de cócoras ao poder económico e à especulação internacional, não acreditava. Pensava que estavas em abstinência e que este país desgovernado se tinha mesmo transformado numa jangada de pedra.
Absurdo que todos pensemos que não se pode mudar o sistema. Que todos são iguais e uns mais iguais que outros. Que não há alternativa entre coelhos, portas e sócrates. Irra! Acordemos! Somos nós que mantemos o sistema, cumprindo um contrato eleitoral que fazemos de quatro em quatro anos, sem nunca termos parado para pensarmos. Olha o robot, brincas tu com a situação, e afirmas que na história da humanidade todos os sistemas deram lugar a outros. Afirmo eu que atrás de mim virá quem pior fará.
Mas eu e tu não aceitamos que nos enganem, que aceitemos a busca do conforto a qualquer preço como o fim supremo da humanidade, que seja a indústria farmacêutica a accionista maior da investigação da nossa saúde. Como é possível que gente como Donald Rumsfed queira que haja gripe A para vender o produto da sua indústria? Odiamos gentalha como esta. Não confiamos em quem quer saber e guardar dados sobre mim. Deveriam acabar os paraísos fiscais para que os ricos e delinquentes pagassem impostos como nós. Abominamos a guerra, a publicidade enganosa, empresas como a Yahoo que fornecem dados às autoridades chinesas para permitir a detenção de dissidentes, a mentira dos partidos políticos, a concentração da comunicação social nos grandes grupos económicos, a pena de morte, a versão dos acontecimentos mundiais que nos “metem”, todos os dias, olhos dentro. Asqueroso é a destruição dos bens alimentares, quando sabemos da fome mundial, para que os preços nos mercados não baixem. Horrendo é fazer o massacre de povos, a destruição de países, em nome da democracia quando o que está em causa é o petróleo. Gritamos até mais não contra aqueles que consideram os mais velhos um esterco.
Aceitar este sistema, não aceitamos. E quando podemos damos a nossa facadinha no Sistema. Por isso estamos felizes com a Crise que tanto assusta os acomodados. Os Bancos hão-de falir, as multinacionais hão-de esboroar-se, os políticos hão-de pagar. Tão certo como estarmos a pensar agora. Não sei é se teremos tempo para ver. A caixa de Pandora política abriu-se na Tunísia! O gozo que nos dá ouvir os Obamas, as Merckels, os Barrosos, os Sarkosis deste mundo. Estão mais borrados que recém-nascidos. A Natureza está fartinha de dar sinais. E a maior parte recusa-se a ouvi-la. Como dizia o escriba egípcio: "há homens que tem os ouvidos nas costas; só ouvem quando as coisas lhes caiem em cima".
Aceitamos fazer perguntas, não fechar os olhos a isto e aceitamos a mudança. Se podermos escolher entre fazê-lo já e não sofrer ou fazê-lo mais tarde sofrendo, optamos pela primeira hipótese. E venham mais cinco de uma assentada que eu pago já.

domingo, 13 de março de 2011

A TOURADA DEPOIS DO ADEUS

Falávamos nós se havia alguma alternativa para os tempos que correm e para a falta de pudor de um primeiro que se diz ministro mostrar tanta contradição que até arrepia. Então não foi o dito que durante o debate da moção de censura do Bloco afirmou aos tribunos que a execução orçamental corria sobre rodas e no dia seguinte, sem aviso, descarrila e lança um novo plano de austeridade? Sim é o mesmo Zé que vai sugando a ralé, a geração à rasca, os mais idosos e é bastante generoso para os compadres, os boys e as girls que o vão rodeando e se sentando nas cadeiras de um poder em quem já ninguém acredita. Chame-se o Zé Sócrates, Passos Coelho, Aníbal Cavaco Silva, Durão Barroso ou outro nome estrangeiro.
Isto está mal e vai continuar e eu e tu não somos parvos. A Deolinda é que julga que estamos sempre a adiar e que não fazemos o que ainda não foi feito. Não! A mesma Deolinda tem razão quando afirma que já não podemos mais e que isto já dura há muito tempo. E eu e tu que pertencemos a uma geração que trazia os sonhos de um mundo melhor, um Portugal diferente, solidário e mais igualitário mas que também temos a nossa culpa pelo que se está a passar. Porque deixamos que muitos deles, que andaram connosco nas manifs, nas lutas pá, contra tudo e contra quase todos, estejam hoje de pi-pi de quartzo nos pulsos e com fatinhos bem engomados, sapatinhos lustrosos e gravatas de seda nas cadeiras de uma maioria que dispensa comentários Isto chegou a uma desvergonha que é preciso mesmo estudar para se ser escravo!
Por isso temos alguma malta da nossa geração, comentadores televisivos e alguns paineleiros (que fazem e produzem painéis de opinião) chocados com as manifestações da geração à rasca, dos homens da luta, da Deolinda e de outros movimentos onde eles não conseguem entrar, dar opinião, produzir sentenças ou controlar consciências. Para mudar é que nós estamos cá e mesmo depois do adeus, da tourada, do cavalo à solta e de quem faz um filho fá-lo por gosto a nossa grândola vila morena é contra a geração estabelecida, os velhos do Restelo, as tias das beneficiências nos casinos, os maninhos que seguem o rumo da gestão escabrosa, dos boys e girls das jotas que esperam vez para chegarem ao estrelato que está a chegar ao fim.
Depois de acordar, o povo pá já não canta que pertence à geração sem remuneração e que não se incomoda com esta situação. Estamos eu e tu, e não só nós os dois, muitos milhares, a fazer democracia e liberdade. Só queremos uma vida melhor. E não julguem os boys e girls cá do Burgo que estão a salvo. Porque se já não se ouve o cantar dos grilos no campo ouve-se os silêncios dos que não conseguem ignorar as facadas do tempo, a areia entre os dedos, o sobressalto. Parvos não somos!



quarta-feira, 2 de março de 2011

VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA

Estava eu a pensar agora em ti, e tu aqui na musa doce a falares azedo daquilo que já sabemos, já conhecemos, já entendemos mas que precisa de ser gritado para ser feito o que ainda não foi feito. Comentavas tu que tinhas estado na recepção que os tribunos e o Zorba tinham proporcionado a Sua Alteza a Sheikha Dra Hind Al Qassimi. Pois nunca se viu tanta paixão pelo petróleo mesmo quando a tenda do líder está a arder e o tal ouro preto atinge valores incomportáveis para as bolsas dos contribuintes. Falou-se durante a visita de plataformas, de Magalhães, e ainda ficamos na esperança que a tal plataforma seria a do petróleo e que Sua Alteza iria proporcionar uma dita no Parque do Burgo para consolo de quem já anda a ser espoliado até ao tutano por skeikes malaicos de um Portugal de muitos magalhães que dão de frosques quando o barco está a afundar. Mas não. Serviu tão só para umas visitas a uma escola com nome de santa católica o que pode ter causado problemas diplomáticos a quem convida a realeza muçulmana, uns jantares com vinho escondido, sem porco por perto, e um role de promessas que nestas ocasiões sempre existem. Foi o que lemos na Caras cá da Vila e como não somos de intrigas só queremos dizer shukrane Sua Alteza por tão prestimosa visita.

E lá continuamos a falar de gente real que sofre, que chora, que foi rainha, que é esquecida por um povo que gosta de ter mártires, que foi grande e que é posta na prateleira do esquecimento por quem um dia a bajulou e se serviu da imagem para tirar dividendos e até fotografias para colocar numa parede de um gabinete ministerial. Este fel todo por causa de uma reportagem que passou numa televisão perto de nós e que nos trouxe à memória os feitos enormes de uma campeã olímpica, mundial e de coerência que se chama Albertina Dias. E se já tínhamos visto grandes campeões cá e lá fora passarem de americanos a jamaicanos, de reis a escravos, a venderem as medalhas que conquistaram com muito esforço e dedicação por tuta e meia de euros também é verdade que vemos gente que teve a habilidade de passar a palma da mão pelo pó do poder e leva uma vida de bem-aventurança e de boa pança. Os mesmos que aplaudem os nossos heróis e que se esquecem deles logo de seguida.

Albertina Dias vive momentos longe dos títulos que ganhou, derrotada pelo país que a idolatrou, amaldiçoada por quem lhe bateu palmas depois de mostrar osso, músculo e nervo em campeonatos do mundo de corta mato, jogos olímpicos, campeonatos europeus, injuriada por políticos canhestros de mendicidade material, intelectual e moral e que um dia lhe teceram os mais belos discursos. Com uma lágrima ao canto do olho, porque está ferida fruto de um tombo provocado por um vagalhão em tempo de borrasca assim é, hoje, a nossa Albertina. E tudo isto, talvez, porque um dia ao chegar carregada com mais uma medalha de vitória ao nosso aeroporto alguém, das nossas televisões, lhe perguntou “que homem admira neste País?” e com desassombro respondeu “o Dr. Álvaro Cunhal”. Mas a campeã saberá levantar-se e vencer mais uma vez.

Por estas e por outras é que muitos admiram Hind Al Qassimi que ninguém saberá muito bem quem é e outros preferem morrer de pé a viver toda a vida de cócoras. Mas desistir não é próprio destes últimos como não é o lema de Albertina Dias mas é preciso explicar, e mais uma vez, aos menos atentos quem foi Albertina Dias e Álvaro Cunhal, por muito que custe a alguns democratas da citânia travestida de cidade. Renunciamos ao Futebol, Fado e Fátima porque sabemos, eu e tu, que uma pátria que não respeita os seus melhores, não é boa terra e, por isso, José Gomes Ferreira disse “viver sempre também cansa”. Então eu e tu às vezes interrogamo-nos: - que estranho país é este, que exige que se abdique, para se ter paz?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

QUANTAS MADRUGADAS TEM A NOITE

Vou-te dizer só e ainda que não há muitas noites sem madrugadas. Estamos juntos nesta viagem em que o nosso objectivo é passar o Cabo das Tormentas e chegar ao Cabo da Boa Esperança. Chegar ao Índico das madrugadas da esperança de um Atlântico onde há gente feliz com lágrimas. Geração da utopia? Sim e não, neste mundo crioulo onde hoje os barak’s se confundem com os obamas da globalização ou mesmo com os mubarak´s das nossas múmias das revoluções planetárias de um face bocas universal.
AdolfoDido, personagem brilhante das noites do linguajar de Ondjaki, dizia com ciência que “
tristezas ávilo, isso e muito mais… o passado, minhas lembranças mesmo, minhas solidões. A vida, muadiês, ainda é um antigamente só, e nós ficamos lá, cada vez mais para a frente vamos, e empurrados, quem, nós mesmos?, nós somos o nosso próprio esquecimento – borracha do futuro a apagar o passado nas ardósias do presente.”
Filosofias, dizes tu que só acreditas que nós dois é que sabemos que ainda, um dia, vamos fazer o que ainda não foi feito. Capacidade de resistir e sobreviver que vamos colorindo dentro das nossas cabeças. Tudo isto e muito mais porque, num fim de semana de Fevereiro, mês em que os heróis quebraram as algemas, houve no nosso Burgo cultura. Lançamento de uma obra literária de Ana Souto Matos, exposição temporária de pintura de de Matos e o concerto da Paz. Tudo com apoio da vereação cultural da Câmara Municipal da Lousã. Avé Hélder Bruno que reconhece que a cultura é um néctar para a alma e para o corpo de quem quer que a sua citânia faça parte dos acontecimentos do mundo.
Acontecimentos umas vezes tristes, outros alegres, e eu não fico indiferente, como afirma Malangatana esse monstro imortal da pintura universal, seja em Moçambique, seja noutra parte do mundo, a dor humana é a mesma. E a minha dor, a nossa dor, é saber que esta cultura é um estranho mimo de um vaso poético cantado pelas vozes da lusofonia de Alberto Oliveira mas antes afirmado por Horácio o poeta, um século a.C.
Diversidades de uma (re)invenção imagética do fantástico em que não há histórias de amor com final feliz mas em que há, para nós os dois, tudo tão infinitamente belo, tão absolutamente infinito, um esplendor intensamente verde e azul. Como gostaríamos que um dia contemplassemos este cantinho à beira mar plantado com os olhos dos poetas e dos pintores. Com os nossos olhos.
Vamos fazer o que ainda não foi feito, abrindo as rubras flores de um subtil lavrado na tinta ardente de um calor sombrio, por contraste à desventura de uns velhos do Restelo que queremos no esquecimento do absolutamente apagado. Queremos as memórias dos dias e das noites da felicidade vivida.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

BOI CAVACO

Lá para os lados da casa dos cafés estávamos nós os dois de ressaca a pensar como é que um algarvio regressa a Belém e como é que cá no nosso Burgo se aderiu a uma nova religião e a um novo deus, o Boi Cote. Claro que tudo por causa da nossa conversa sobre deuses e demónios da sociedade que tão depressa são adorados como logo de seguida queimados na fogueira da nossa indiferença.
Dizíamos nós que o mais venerado e o mais célebre dos animais sagrados no antigamente era, sem dúvida, o boi Ápis, Hep em egípcio. Os antigos egípcios consideravam-no como a mais completa expressão da divindade. Reza a lenda que imediatamente após a tomada de Menfis, Cambises teria sacrificado um touro de nome Ápis, louvado pelos fanáticos como um deus, admirado pelos sábios como um símbolo e cobiçado pelos ignorantes como um boi.
Confessamos já que somos agnósticos e até ateus e por isso, nos tempos que correm, não podíamos sequer louvar o deus das manifestações contra o metro dos doutores da Universidade de Coimbra, o Boi Cote. Como não somos sábios, apesar de termos colocado sempre em dúvida porque é que a linha da Lousã não era electrificada e o material circulante modernizado, também não nos consideravamos ignorantes e por isso não andavamos de braço dado em ruas de Coimbra e Lisboa com quem nunca nos quis bem a gritar palavras sem nexo o Boi Cote ficou sem a nossa adoração. E lá fomos até ao altar das eleições para votarmos para a presidência de um país cansado, desafortunado e equivocado.
Hoje, após a vitória de um Cavaco que foi empurrado para Belém pelos acasos da fortuna e desentendimentos das esquerdas, dizemos que o grande vencedor foi o astuto e velho estadista Mário Soares. Porque não deixou Manuel Alegre brilhar e permitiu que Fernando Nobre lhe servisse às mil maravilhas para uma vingançazinha maquiavélica. Mesmo assim não conseguiu os intentos totais que era Nobre se posicionar à frente de Alegre. Mas verrinosos como somos lá derivamos outra vez para os animais que são divindades e afirmamos a quem nos quer ouvir que cavacos são uma família de crustáceos que se encontram em todos os oceanos de águas quentes e que são caracterizados pelas suas ampliadas antenas que se projectam para a frente da cabela como placas largas. Não são deuses nem deviam ser presidentes dizemos nós.
Porque mesmo o nosso Cavaco não possui estofo nem estilo. Foi o mais inepto Chefe de Estado da democracia apenas com um equivalente, Américo Tomás. Aníbal Cavaco Silva é apagado, baço, desajeitado, inculto sem cura, preconceituoso, desejoso de pequenas vinganças e ódios latentes, representante de um Portugal rançoso, coscuvilheiro, supersticioso e ignorante que tarda em deixar a indolência pimba. É desprovido de ideologia, de convicções, de grandeza e de falta de solidariedade.
Já que não temos metro e muito menos comboio fazemo-nos à estrada pensando que mais cinco anos de malfeitorias e momentos perigosos são um incidente à espera de acontecer, recuperamos o lamento de Alexandre Herculano: “
Isto dá vontade de morrer!