quinta-feira, 29 de março de 2012

A guerra é a guerra, no céu e na terra



A 19 de Março, relembras-me tu, cumpriu-se um ano em que a NATO iniciou os bárbaros bombardeamentos à Líbia e que se prolongaram por sete meses com as consequências trágicas que o mundo conhece. Guerra do petróleo que destruiu completamente um dos países com melhores indicadores de desenvolvimento em África e até no mundo. Nada disto invalida que quem governava este país não fosse um ditador amigo e recebido com honrarias pelos democratas que o abateram.

Eu e tu sabemos, e muita gente sabe, que se tratou de uma agressão externa comandada pelos Estados Unidos, brutal e ilegítima e que provocou a morte a dezenas de milhares de pessoas sem dó nem piedade, uma autêntica barbárie e uma catástrofe humana com a destruição inequívoca de um país. Esta agressão deu-se a coberto dos “direitos humanos”, branqueada pelas Nações Unidas e o seu Conselho de Segurança contra um país e um governo que mantinha uma relativa independência aos poderes económicos instituídos.

O ditador Kadhaffi nunca pensou que “com amigos destes não vale a pena ter inimigos” e pagou com a vida a sua petulância, o seu orgulho desenfreado, a tirania, o vocabulário agressivo e descontextualizado. E a história já demonstrou que não devemos dar créditos a esta gente, ditadores e “civilizados” travestidos de democratas como são os Berlusconi, Sarkozy, Merkel, Ramshfield, Bush e outros cruzados defensores de direitos humanos. Estes senhores, na Líbia, provaram que a guerra só serviu para controlarem os importantes recursos naturais da Líbia, o petróleo em primeiro lugar, e dominarem geo-estrategicamente esta importante região do mundo.

A Líbia hoje é um país destruído, sem governo, abandonado à sua sorte, intolerante, violento, onde se pratica a tortura, o assassinato, governado por bandos armados, por terroristas, onde impera o caos e a violência. Um ano depois desta guerra as empresas, principalmente do petróleo, dos países agressores dominam a seu belo prazer os despojos das batalhas. Afirmas tu que isto serviu, também, para que os EUA e a Europa se dirigissem, com o apoio de uma operação de manipulação mediática dos órgãos de comunicação social, para iniciarem as ameaças e a chantagem sobre a Síria e o Irão. Os mesmos que falam de “direitos humanos” para justificar a guerra contra a Líbia e as sanções à Síria são os mesmos que são responsáveis por centenas de milhares de mortos e os que arrasam países inteiros, como sucedeu e sucede no Iraque, no Afeganistão, no Líbano, na Somália, na antiga Jugoslávia. Apoiam Israel na sua política de ocupação e extermínio do povo palestiniano e sustentam Marrocos que ocupa ilegalmente o Sahara Ocidental, oprimindo o seu povo e roubando as suas riquezas. Os que defendem uma intervenção contra o Irão por este alegadamente querer produzir armas nucleares são os que fecham os olhos às bombas atómicas israelitas (o único país do Médio Oriente com este tipo de armamento), os que já usaram estas armas e que admitem usá-las novamente e num primeiro ataque, como acontece com os EUA.

Há que denunciar esta hipocrisia e defender a solução pacífica dos conflitos, a não ingerência nos assuntos internos dos países, o desarmamento nuclear geral, simultâneo e controlado, o direito à autodeterminação e a independência de povos e países, a dissolução dos blocos político-militares, nomeadamente a NATO. A Constituição de Portugal é clara sobre esta matéria e neste país temos quem seja uma voz independente e denuncie estes atropelos à paz. Estamos a falar do Conselho Português para a Paz e Cooperação, onde as ideias e partes deste texto foram retiradas. Como canta Fausto
A guerra é a guerra, No céu e na terra”.

segunda-feira, 5 de março de 2012

VENTRÍLOQUOS PIMBA



Confesso que começa a ser difícil arranjar tema para nós conversarmos sobre as coisas deste Portugal. Dizes tu que está tudo tão difícil, nós constatamos que é verdade, querem-nos fazer crer que não há remédio e como dizia a minha avó quem não tem remédio, remediado está”, e vamos por aí fora sem que haja muita gente que queira fazer o que ainda não foi feito.

Repara só nesta coisa fantástica de termos gente, na presidência e no governo, que não são mais do que bonecos de ventríloquos pimbas, e que se acomodaram ao que se está a passar na Europa, no país, na nossa urbe. Um presidente que foge de adolescentes de uma qualquer escola da capital não tem a moralidade de dizer aos portugueses o que devem fazer. Ou então lá no seu palácio o hino já não possui a estrofe guerreira e um pouco salazarenta de
contra os canhões, marchar, marchar”!

Parece que tudo parou no tempo, que a desorientação é quase fatal, não nos conseguimos livrar desta camisa de sete forças, apesar de alguma resistência que se vai fazendo nas ruas de uns tantos resistentes a um statuos quo que mete nervos, manifs essas que só dignificam quem as promove pela luta, pela não sintonia com os grandes monopólios, mas também pela organização e não-violência que se tem verificado.

Estamos nós nesta catarse quando nos chega às mãos uma notícia que só dignifica quem tomou tal atitude e tal posição na Europa envelhecida, o presidente da Grécia.

Um senhor chamado Karolos Papoulias, que é Presidente da Grécia, abdicou de salário de 300 mil euros anuais em solidariedade com o seu povo e hoje meteu na ordem o ministro das Finanças alemão. Disse ele:
"Não aceito insultos ao meu país feitos pelo senhor Schäuble. Não aceito isso como grego. Quem é o senhor Schäuble para ridicularizar a Grécia? Quem são os holandeses? Quem são os finlandeses? Teremos sempre orgulho em defender não apenas a nossa liberdade, não apenas a liberdade do nosso país, mas a liberdade de toda a Europa", afirmou em declarações citadas pela Bloomberg.

Infelizmente não temos cá quem fale assim... Antes pelo contrário punimos jornalistas que denunciam a promiscuidade, quase prostituição, que vai entre os ministros das finanças português e esse tal Schäuble, entre o governo português e a comunidade europeia. Esquecemo-nos, muitas vezes, que foi a Grécia, em grande medida, e todos os outros países europeus que contribuíram, e muito, para a reconstrução de uma Alemanha devastada pela guerra que ela própria fomentou, espalhando a morte, fome, destruição, racismo, perseguição, intolerância. Já nos tempos mais recentes foi a persistência dos europeus que, também, contribuíram para a liberdade europeia ajudando, solidariamente, os alemães a derrubarem o muro da vergonha.

Pior que aquele que é cego é aquele que não quer ver. Os partidos do arco do poder limitam-se a servir de lastro às congeminações da senhora Merkell e do Sarkozy, dos que rezam e só sexam para procriar, os que acham que tudo é fruto da “diarreia mental do século XIX”, como dizia o santacombista à mão armada, que conluiado com essa malta toda governou em ditadura este País quase meio século.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

UMA NAÇÃO NÃO NASCE DE UMA IDEIA



É estranho que haja quem estranhe a emigração. Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamente dos caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país caótico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par, a Grécia e Portugal!"
Assim escreveu Eça de Queiroz em 1872 no seu livro As Farpas”, dizes-me tu meio sem saberes onde estás, onde andas e para onde vais. Não que estejas desorientado na verdadeira acepção da palavra, mas sim pelos acontecimentos em cascata que têm acontecido neste Portugal que voltou a ser metade Jorge de Brito e metade Jorge de Melo, como diz a canção.
Foram os nossos ministros, incluindo o primeiro, a mandar a maralha para a estranja pois assim evitamos alguns problemas. Foi o nosso presidente a chorar-se que ganha uma miséria, nem dá para comprar o jornal da manhã. Também não é problema pois ele quando censurou Saramago, era primeiro-ministro, também afirmou que nem lia jornais. Mas não queremos que sua excelência passe fome e então deve mesmo emigrar a conselho do nosso Coelho para mitigar a miséria que vai no seu palácio. Sim porque nós também temos um coelho, não é só a Madeira, embora menos pia-dético. São aventais e secretas que deve ser o feminino de secretos, que de porco preto são uma delícia. Acabou-se o Carnaval mas fantoches, marafonas, caretos e gigantones parece que é o que há mais neste país. E estamos quase a chegar à parte mais triste desta aventura que é todos a cantarem “lá vamos cantando e rindo”.
Ou não te apercebes que já existe censura nos órgãos de comunicação social, que as notícias são tríadas ao pormenor, que até no desporto os paineleiros são do centralão e de mais ninguém, que de economia só sabem os mesmos, os do pê esse dê e cê dê esse polvilhados por uns tantos do pê esse, e que não há lugar para mais ninguém, como se neste kimbo não houvesse alternativa ao descalabro e afundamento das naus. Por arte divina por vezes há milagres e então o pagode sorri e fica enfumado pelos ventos de velas e incensos da nossa devoção. E com ar inteligente vão afirmando que não outra solução, temos que aguentar e sofrer. Digo eu, termos muita paciência.
E nem vale a pena derramarmos lágrimas de crocodilo sobre o que está a acontecer no mundo, basta olhar para o norte de África e médio oriente, para adivinharmos que o pior ainda está para vir. Ficamos impávidos e serenos a olhar para o nosso coelho com o rabo a dar a dar junto do seu dono, o casal Merkel-Sarkozy?

Uma nação não nasce duma ideia. Nasce dum contrato de homens livres que se inspiram nas insubmissões necessárias ao ministério dos povos sobre os seus infortúniosAssim afirma Agustina Bessa-Luís e assim pensamos nós os dois. Pela verdade, pela sanidade das futuras gerações.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

IDIOTAS DE UM MODO GERAL



Estás triste sentado num banco do jardim, de um qualquer parque da nossa vila, numa tarde fria como só tu a sentes, fria por dentro e fria por fora e vais desconseguindo perceber este Portugal que cada vez estás mais triste e se vai afundando qual Titanic da era moderna e onde uns patifes vão tocando na orquestra do saque. Sim porque como tu afirmas que esta patifaria te faz lembrar, para pior, o Odorico Paraguaçu da imemorável novela O Bem Amado”. Nem tiques têm para serem iguais à personagem telenovelesca mas são personagens da vida real e uns tipos execráveis. Apanham-se com algum dinheirito, uns créditos, quase todos nomeados pela tutela como administradores de empresas, e quando se sentem ou persentem que vão ficar como gente normal resolvem levar Pingos e Martins e outras empresas de sucesso para fora do retângulo à beira mar plantado.
Fecha-se a loja, seja a da Praça ou do Infante do Músico, de GOLa alta ou da Cruz ao Peito e aí vão eles tentar convencer que são os arautos da liberdade, da fraternidade e da igualdade, mas sempre no maior dos secretismos não vá o Demo tecê-las. Mas há sempre gente pronta a ir ganhar uns míseros 1700 Euros por dia, não se despegando de uma reforma miserável de 9 mil euros, para dar à luz nem que seja para amarelo ver. Claro que todos têm um curriculum invejável, fruto de muito estudo e muitas horas perdidas em bibliotecas cheias de rituais, e por isso é que sabem de tudo. Água, eletricidade, gás, petróleos, caminhos-de-ferro, auto-estradas e até de fazerem conta para uns pelintras que ganham pouco mais que 600 euros lhes pagarem as mordomias. E como tu dizes num escrito memorável
os partidos do arco do poder limitam-se a servir de lastro às congeminações das lojas, dos aventais, dos que rezam e só sexam para procriar, os que acham que tudo é fruto da “diarreia mental do século XIX”, como dizia o santacombista à mão armada, que conluiado com essa malta toda governou em ditadura este País quase meio século”.
Confesso-te, aqui mesmo, que não consigo colocar um avental pois detesto cozinhar e nem um ovo sei estrelar. Prefiro o meu Pregador aos peixes que uma qualquer cruz de cruzado para combater os infiéis. É por isso que detestamos os intocáveis, os únicos que têm verdades absolutas, que debitam dislates continuados quando perguntados sobre assuntos do mais alto valor da Nação e rimo-nos a aventais despregados quando folheias o livro de Alexandre O’Neill e nos deliciamos com este bocado de prosa pois, ainda hoje, os destinatários desta mensagem estão contextualizados. Então aí vai, para acabarmos, pois temos que ir escrever os estatutos da nossa loja da Praça, Uma Coisa em Forma de Assim, do O’Neill: Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima com poder, é, quase sempre, um perigo. Oremos. Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa”.

domingo, 18 de dezembro de 2011

NÃO HÁ HISTÓRIAS DE AMOR COM FINAL FELIZ



Um pangolim pousa no varandim da tua varanda de frajipandi e canta uma canção de sonho e de mágoa. Este sábio pássaro africano diz que eu e tu somos de uma geração da utopoia e que vivemos a vida com a poesia de quem se encontra entre um mundo onde acontecem estórias abensonhadas, estórias de amor que até podem ter um final feliz. E como tudo na vida estas estórias acabam quando começam outras estórias.

O nosso pangolim e o meu siripipi trazem no bico uma mensagem tua que me diz que “
não me envergonho de nenhuma das minhas palavras e atitudes…” E é assim que me refugiu na nossa, na tua serra da Lousã onde um dia alguém te disse que tu serias a Maria da Serra Verde. 

É nessa serra que se sonha o mundo, um mundo que contribui para a felicidade de todos os dias mas onde é difícil guardar os rios que correm à procura de um oceano de palavras, de sentidos, de desejos, do ser total.


Estórias simples de vidas, interesses, sentimentos, afetos, emoções, num marejar de desejos, de sofrimentos, de amores, de seres e estares, de um quotidiano onde o vento deixa poemas nas árvores da vida, poemas que sofrem, também, todos os dias de desamores, de desconseguirem estar em momentos reais, acontecimentos banais, singelos e naturais.


Assim é a escrita de Ana Souto de Matos que na poesia da sua vida é como um sentir, um sofrer, uma aceitação de comprender e crescer. No seu livro há um permanente, vamos tomar café?


Esse café que se transforma numa bebida de afetos, quente de sentir, de sofrer, de aceitar, de compreender e crescer que nos abre o peito desde o Índico ao Atlântico, do Senhor do Bonfim à Nossa Senhora da Piedade, da Senhora da Muxima ao ai Timor da nossa solidariedade, de S.Tomé, esse santo olhando um príncipe desencantado como o navegar de um abraço que nos envolve em Bijagós e chega a um cabo que é verde, só de nome, mas que fez nascer uma Cesária Évora que acabou, hoje mesmo, de se despedir desta viagem da vida no nosso planeta Terra e nos aguarda algures num universo de paz e felicidade para num último fôlego nos dizer que “
Nha cretcheu ja`m s`ta ta parti / Oi partida sô bô podia separano / Nha cretcheu lavantá pam bem braçob / Lavantá pam bem beijob /Pam cariciob esse bô face”.

No livro “
Não há histórias com final feliz” , Ana Souto coloca, desde o início, Afonso e Sofia numa negação de amores permeáveis a finais de sentir, de sentirem-se, do sinto, mesmo que infeliz.

Gosta-se dos livros, das pessoas dos livros, dos dias que se afundam nas noites quando olhamos nos olhos e estes olham mais longe do que outros olhos vêm habitualmente. Sofia, grande Sofia, os teus olhos fotografam cogumelos, simples cogumelos sem poesia, cogumelos da tua serra, cogumelos silvestres. Os teus olhos Sofia conseguem olhar os cogumelos mais lindos do teu universo. Ou serão flores?


Sim talvez tenhas razão Sofia, de amarmos a forma doce de sermos, de compreendermos, sensibilidades serranas mas que te colocam numa observação atenta e mesmo aguerrida e lutadora de tudo o que te rodeia.


Depois de falarmos de tanta coisa ainda consegues enviar uma prenda. Um mimo. E deixas colado na porta do desejo um Pessoa desencantado com os amores e e a vida: “
Posso ter defeitos. Viver ansioso e / ficar irritado algumas vezes, / mas não esqueço que a minha vida é / a maior empresa do mundo. / E que posso evitar que ela vá à falência. / Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver / apesar de todos os desafios, incompreensões e / períodos de crise. / Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e / se tornar um autor da própria história. / É atravessar desertos fora de si, / mas ser capaz de encontar / um oásis no recôndito da sua alma. / É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. / Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. / é saber falar de si mesmo. / É ter coragem para ouvir um `não`. / É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. / Pedras no caminho? / Guardo todas, um dia vou construir um castelo.” E para teu desepero Afonso só te respondeu com um seco “obrigado, Sofia, adoro esse poema”.

Será mesmo que as velas ardem até ao fim? Ou será que as palavras se proferem até ao fim? O que quiserem. Só sei que mesmo com sangue transmontano, gozando e partilhando a amplitude dos espaços, as margens onduladas recortadas e esfuziantes do Douro, os verdes contrastando com o azul do céu, estes não vencem o meu vermelho sangue que está todo a sul do Equador onde não há pecado e é proibido proibir. Assim como a utopia as tuas palavras acalmam-me.


Aveiro, Hotel Moliceiro, 17 de Dezembro de 2011

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O MARIMBONDO E O SEU AMIGO TYITWITWI




Que dia fantástico! Estamos a degustar o melhor bife das redondezas, afirmas tu, ou terás dito o melhor bife de Portugal, no Paddock, quando resolvemos encaminhar a conversa para as ajudas económicas da Europa aos mais “pequenos”, da solidariedade, do voluntariado e do que de mais difícil poderá acontecer em 2012. Lamúrias que nos levam a falar desta citânia, da tentativa da Alemanha em tomar conta do continente sem disparar um tiro, da crise de valores e, num minuto, conto-te a estória do marimbondo e do peito celeste, contada há muito por um kota à beira da fogueira, debaixo da mulemba, lá longe na terra da Muxima, e que nos deixa a pensar que devemos ajudar e sermos ajudados mas sem nos matarmos. Reza assim:

O Marimbondo andava muito preocupado porque o seu filho primogénito adoeceu e perdeu a alegria de voar. Levou-o a todos os médicos da região mas ninguém conseguiu descobrir a sua estranha doença. Já desesperado, levou o jovem a um adivinho que depois de uma consulta cuidadosa disse ao pai:
- Para o teu filho ficar bom tens de procurar uma pena do Tyitwitwi e depois passa-a pelo seu corpo. Vais ver que ele fica bom.
O pai Marimbondo encontrou um simpático peito celeste cantando alegremente no alto de uma omu-tya.
- Tyitwitwi, o meu filho está gravemente doente e o adivinho disse que a doença passa, se eu o afagar com uma das tuas penas.
O peito-celeste arrancou com o bico uma pena e deu-a ao pai Marimbondo. Quando ele chegou ao ninho, passou-a pelo corpo do filho e ele ficou logo bom, saindo a voar em alta velocidade.
Um dia o filhinho do Tyitwitwi adoeceu gravemente e ele levou-o ao adivinho. O oráculo dele foi este:
- Procura uma asa de marimbondo, passa-a no corpo do teu filho, que ele fica imediatamente bom.
O pai Tyitwitwi foi ao ninho do Marimbondo e disse-lhe:
- Amigo, o meu filho está gravemente doente e o adivinho disse que ele só fica curado se passar uma asa de marimbondo pelo seu corpo.
O Marimbondo ficou com ar pesaroso e respondeu:
- Tyitwitwi, não posso dar-te uma asa porque só tenho duas e se arrancar uma, nunca mais consigo voar.
O pai Tyitwitwi ficou muito triste e voltou para o ninho. O seu filhinho agonizava e acabou por morrer.
O Tyitwitwi regressou ao ninho do Marimbondo e disse-lhe:
- Não me deste uma asa e o meu filho morreu. A partir de agora acabou a nossa amizade, corto relações contigo porque és egoísta. Eu salvei o teu filho com a minha pena, mas tu recusaste dar vida e saúde ao meu filho com a tua asa.
O Marimbondo ficou muito triste porque o seu amigo não compreendeu que ele não podia sacrificar a sua asa, porque sem ela nunca mais voava e acabava por morrer. Devemos socorrer o próximo sempre que ele precise de auxílio, mas dar o que é essencial para a nossa vida, não pode ser.
O Marimbondo disse ao Tyitwi-twi:
- Nunca me peças uma asa, porque não posso morrer no lugar dos teus filhos ou de ti. Mas podes pedir-me tudo o que não seja a minha vida. E para te provar a minha amizade, quando puseres ovos no ninho, eu e a minha família vamos ficar ao lado a zelar para que nada lhes aconteça.
É por isso que desde então, onde houver um ninho de Tyitwitwi há ao lado um ninho de marimbondo, para pagar a dívida de gratidão que não foi possível pagar com a asa que ia salvar o passarinho doente
”.

Mesmo doentes, os portugueses devem pedir tudo, não devem é dar a asa que os pode matar. Fico a saborear um Camolas tinto que me faz viajar no tempo e recordar os Trovante e uma canção que me avisa que “Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado / Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco / Há sempre alguém que nos faz falta / Ahhh, saudade”.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

TAPARUERE DA DIGNIDADE



Brinco contigo por entrares no Borges com um taparuere e quando disparo se vens à sopa dos pobres resmungas e ficas mesmo zangado pois os tempos não estão para brincadeiras nem tão pouco para apelarmos à pobreza. Recordas-me Mikis Theodorakis, compositor e cantante grego que idolatramos na nossa juventude e adolescência e referes uma entrevista que deu a um programa popular na Grécia.
Theodorakis, num momento em que a Grécia e os países do sul da Europa são colocados sob a tutela da Troika, em que os estados reprimem as manifestações (caso dos Estados Unidos) e que a própria Europa prossegue nos salvamentos financeiros, apela aos gregos e aos europeus a combaterem e alerta para que, ao ritmo a que isto chegou, os bancos voltarão a implementar o fascismo no continente.
Será que são palavras e afirmações fortes e em quem ninguém pode acreditar? Não nos parece. Theodorokais, desde a primeira hora, resistente à ocupação nazi e fascista, combatente republicano desde a guerra civil e torturado durante o regime dos coronéis, possui um capital de credibilização que vai muito para além das más-línguas e dos puristas neoliberais que “empurram” os governos europeus a se submeterem à senhora Merkel e ao chefe de fila Sarkozy. Se também Portugal continuar nesta “onda” será o nosso fim quer como povo quer como nação e o nosso governo não passa de uma “formiga” diante destes “parceiros”. A única solução é levantarmo-nos, fazer o que ainda não foi feito e combatermos pois consideramos esta política “brutal e ofensiva” e por isso é que estamos na rua, protestamos e fazemos greve.
Em carta aberta aos povos europeus e publicada em numerosos jornais, Mikis refere que
"o nosso combate não é apenas o da Grécia, mas aspira a uma Europa livre, independente e democrática. Não acreditem nos vossos governos quando eles alegam que o vosso dinheiro serve para ajudar a Grécia. (...) Os programas de "salvamento da Grécia" apenas ajudam os bancos estrangeiros, precisamente aqueles que, por intermédio dos políticos e dos governos a seu soldo, impuseram o modelo político que conduziu à actual crise.
Não há outra solução senão substituir o actual modelo económico europeu, concebido para gerar dívidas, e voltar a uma política de estímulo da procura e do desenvolvimento, a um proteccionismo dotado de um controlo drástico das Finanças. Se os Estados não se impuserem aos mercados, estes acabarão por engoli-los, juntamente com a democracia e todas as conquistas da civilização europeia. A democracia nasceu em Atenas, quando Sólon anulou as dívidas dos pobres para com os ricos. Não podemos autorizar hoje os bancos a destruir a democracia europeia, a extorquir as somas gigantescas que eles próprios geraram sob a forma de dívidas.
Não vos pedimos para apoiar a nossa luta por solidariedade, nem porque o nosso território foi o berço de Platão e de Aristóteles, de Péricles e de Protágoras, dos conceitos de democracia, de liberdade e da Europa. (...)
Pedimos-vos que o façam no vosso próprio interesse. Se autorizarem hoje o sacrifício das sociedades grega, irlandesa, portuguesa e espanhola no altar da dívida e dos bancos, em breve chegará a vossa vez. Não podeis prosperar no meio das ruínas das sociedades europeias. Quanto a nós, acordámos tarde mas acordámos. Construamos juntos uma Europa nova, uma Europa democrática, próspera, pacífica, digna da sua história, das suas lutas e do seu espírito. Resistamos ao totalitarismo dos mercados que ameaça desmantelar a Europa transformando-a em Terceiro Mundo, que vira os povos europeus uns contra os outros, que destrói o nosso continente, provocando o regresso do fascismo
".
Quem não viu o filme Zorba, O Grego baseado no livro de Nikos Kazantzakis com música de Mikis Theodorakis e que não é mais que um cântico à liberdade do ser humano que vê na existência terrena seu único esteio antes da completa aniquilação? Se não viram vejam e se viram revejam. Não devemos deixar correr uma vida que deixa romper as horas sem saborear os minutos e que esteja calcada num inconsistente sentimento de culpa. Devemos ser os olhos, o nariz, a boca, os ouvidos da dignidade humana.