quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

AS PRENDAS DA CASA COR-DE-ROSA

É normal nesta época do ano oferecer-se prendas. Algumas são umas ricas prendas, destilas tu o veneno que te vai nas veias sobre o momento actual que vivemos. Como esperas um ano de 2011 bem pior que os anteriores começas a praguejar sobre tudo e sobre todos. Ninguém te escapa e como só nós os dois é que sabemos o que ainda falta fazer pomo-nos a tentar fazer de pai natal e a carregar o nosso saco de (des)ilusões com as prendas para oferecermos aos bem aventurados do nosso burgo. Colocamos as renas no trenó, vestimos os fatos vermelhos, sacudimos as gotas de orvalho (sim, falta-nos a neve) das barbas e cabelos brancos e aí vamos nós. Vai ser fácil entregar as nossas lembranças porque nestas terras do trevim mora quase tudo na mesma casa cor-de-rosa (não confundir com o Palácio Cor de Rosa de Buenos Aires).
Não queremos ser como o pai natal de Clemente Clark Moore, professor de literatura grega em Nova York e que popularizou e celebrizou a personagem vermelha de barbas brancas que se faz transportar não de metro, não de comboio mas sim de trenó puxado por renas, ao escrever o poema para os seus seis filhos intitulado Uma Visita de São Nicolau. Ao contrário do bom velhinho não vamos entrar pela chaminé da casa mas pela porta principal.
Deixamos aqui nos Paços quase todas as prendas. Em cima da secretária do Presidente deixamos o livro de Antoine de Saint Exupéry, O Principezinho. Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer… E foi então que apareceu a raposa! Logo ali ao lado para o Vereador do Desporto nada como um bom filme. Um homem à deriva consegue arranjar um combate substituindo um pugilista lesionado. Apesar de levar uma tareia é seduzido pelo mundo, pelo sucesso. Deixamos o homem-desporto a ver O Grande Ídolo de Mark Robson. Estávamos nós a chamar quase pelos bombeiros para nos tirar pela janela pois já havia bastante fumo na chaminé da sala quando encontramos o gabinete do vereador dos Homens da Paz e da Floresta. Para o jovem turco nada melhor que um estudo do Governo de S. Paulo, Brasil, sobre Planeamento Ambiental Estratégico e Educação Ambiental, A Floresta, Um Mundo de Relações. Qualquer vida é muito dentro da floresta, está escrito num poema índio. Talvez seja.
Zás! E Estamos no espaço do jovem com capacidades invulgares (espelho meu…) no campo das ciências da educação e que o qualificam como génio. Para ele um filme de Gus Van Sant, O Bom Rebelde. E como as senhoras são as primeiras nada melhor do que colocar a vereadora da saúde a pensar Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro. Um livro de Carlos Moreno porque fala de indignação privilegiando uma informação séria num país onde vale tudo e onde tudo continua a valer.
Já agora deixamos para os vereadores da oposição um livro de contos infantis onde relevamos o conto de Hans Christian Anderson, O Patinho Feio. Saímos pela porta das traseiras e para nosso espanto aqueciam, em fogo brando, umas palavras de ordem dos Cidadãos da Lousã e em lume mais activo A Comissão de Utentes do Ramal da Lousã. A eles deixamos uns CD’s do Maestro Metropolitano, Fábio Luisi, director artístico da Ópera Chic de Milão.
Caminhando nas ruas do burgo encontramos o Presidente da Assembleia Municipal a quem, sem qualquer conotação evidente, ofertamos o livro Viagem à China de Gilson Barreto. Sempre adorou uma aventura e nada melhor que uma civilização milenar para grandes descobertas. Olha que também temos deputados da Nação aqui na terra. Ao futuro, ex ou ex-futuro deputado candidato a qualquer coisa deixamos um filme brasileiro de Lírio Ferreira sobre a vida e obra do deputado federal Humberto Teixeira, O Homem que Engarrafava Nuvens.
Para o fim ainda sobraram umas recordações às forças políticas daqui. À CDU, para tornarem a colorir os locais da vila, nada como um livro para colorir, As Aventuras da Abelha Maia, de Waldemar Bonsels. Ao CDS o filme, adaptação livre de nós os dois, Sozinha na Lousã e para o BE um filme de Dulce Morat, Doces Poderes.
Para nós os dois que vamos fazer em 2011 o que ainda não foi feito nada como um poema de Vinicius de Moares: De manhã escureço / De dia tardo / De tarde anoiteço / De noite ardo. Nasço amanhã / Ando onde há espaço / Meu tempo é quando. Um bom ano de 2011.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O PAI NATAL E O MENINO

Nós os dois entre dois licores preparados com produtos naturais cá da terra a partir de uma dupla destilação de plantas e sementes aromáticas, digerimos uma canção que podia ser da época que atravessamos mas que nos faz pensar. Os meninos à beira da fogueira vão aprender coisas de sonho e de verdade. Como é linda a canção que trauteamos enquanto um bando de pardais à solta percorrem os caminhos do burgo.

Este é o tempo que devia ser de paz mas, só nos faltava esta, assistimos a uma luta entre os defensores do Menino e os do Pai. Por mim, afirmo já, sou a favor do Pai porque é vermelho, faz exercício físico, anda de transportes não poluentes, tem um aspecto respeitável, alegra os meninos e ainda deixa ficar presentes. Detesto quando há grupos organizados a denegrir a imagem do Pai. O Menino tem tempo para crescer e também há-de ser pai.

Estávamos nós nesta conversa natalícia quando nos chega um documento à mesa dos sonhos, o relatório do Centro de Estudos Innocenti da UNICEF que nos faz estremecer. O “Report Card 9 – As Crianças que Ficam para Trás (The children left behind)” – conclui que as crianças em muitos países ricos da Europa e dos Estados Unidos sofrem de maior desigualdade do que as crianças de outros países industrializados. Este estudo compara, pela primeira vez, 24 países da OCDE (Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento) em termos de igualdade na saúde, educação e bem estar material das crianças. O estudo divulgado no início deste mês revela que países como a Itália, Estados Unidos, Reino Unido, Grécia e Portugal estão a permitir que as suas crianças mais vulneráveis fiquem muito mais para trás, com consequências sérias de desigualdades, economia e sociais do que outros como a Dinamarca, a Finlândia, a Irlanda, a Suiça e a Holanda.

Num momento em que o discurso sobre medidas de austeridade e cortes em gastos sociais tem vindo a subir de tom, este relatório coloca o enfoque nas centenas de milhares de crianças que correm o risco de ficar mais pobres nos países mais ricos do mundo. E Portugal é o país da OCDE com maior taxa de pobreza infantil. Ora bolas, lá estamos nós à frente de um indicador em que devíamos ficar mais para trás. Lemos ainda, que um pequeno grupo de países, Dinamarca, Países Baixos, Suiça e Finlândia, estão à frente na promoção da igualdade no que diz respeito ao bem estar das crianças. Por outro lado, Estados Unidos, Grécia e Itália são os países que estão a deixar as crianças mais desprotegidas.

Portugal, Grécia e Espanha são os países com os mais elevados níveis de desigualdade. As desigualdades no desempenho educativo das crianças em matéria de literacia em leitura, matemática e ciências são menores na Finlândia, Irlanda e Canadá e mais elevadas na Bélgica, França e Áustria. Portugal, Noruega e Países Baixos apresentam os níveis mais baixos de desigualdade na Saúde. Os custos mais pesados destas desigualdades são pagos pela própria criança. A desigualdade que empurra a criança para a base da pirâmide acarreta uma série de custos que os contribuintes terão de pagar mais tarde sob a forma de aumentos de pressão sobre os serviços de saúde, o ensino recorrente e a assistência social.

Para que o combate à pobreza infantil seja um elemento central das estratégias e políticas nacionais o bem estar das crianças deverá constituir uma prioridade em todas as áreas governativas. Deve-se utilizar melhor os benefícios e deduções fiscais concedidos às famílias a fim de diminuir o fosso da desigualdade. Diminuindo estas desigualdades temos uma maior probabilidade de diminuir os problemas da nutrição, do menor desempenho educativo, do stress crónico e do desenvolvimento.

E nós os dois vamos fazendo o que ainda não foi feito, denunciando, julgando cumprir o nosso tempo, termos dúvidas, muitas e memórias, algumas. E chega-nos à memória um escrito de Fernando Pessoa que nos diz: “ Dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração”. E o frio deste ano parece ser mais e pior do que o de anos idos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

DIGO EU E DIZES TU

Estamos mal de tudo ou quase tudo, dizemos nós enquanto o frio aperta cá em cima nesta Serra coberta de branco e tu me dizes que cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas. Parece até daqueles diagnósticos médicos que se fazem e onde o doente não tem hipótese de sobrevivência mas que se diz à família que enquanto há vida há esperança. E temos todos que ter esperança. Mas digo eu e tu concordas que sem saúde não há liberdade e que só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação.

E se todos concordamos em que o Serviço Nacional de Saúde foi das maiores conquistas do vinte e cinco do quatro bem como o Poder autárquico, também sabemos que tal como o direito à informação, o direito à saúde marca a diferença entre existir ou não existir. Sem informação não há vida e viver sem saúde é uma calamidade.

Conquistada a liberdade política há 35 anos, Portugal anda a construir as condições que a suportam tendo como direito fundamental a saúde. Temos hoje equipas de saúde espalhadas por todo o território nacional, tentamos fazer uma reforma na saúde que servisse de marco histórico das reformas em Portugal e na Europa, continuamos a dar expressão ao que de mais essencial tem a liberdade, temos hoje números em saúde idênticos aos da Europa, somos dignos dos maiores elogios nas instâncias internacionais porque conseguimos os mais altos índices de desenvolvimento humano reduzindo drasticamente a mortalidade materno infantil e aumentando a esperança de vida para valores nunca conseguidos.

E se houvesse heróis esses eram os enfermeiros, os médicos mas também todos os profissionais da saúde que contribuíram para que fossem colocados em todo o território nacional os Cuidados de Saúde Primários como parceiro estratégico da liberdade. Os portugueses puderam, assim, escolher o seu médico de família, a sua equipa de saúde, e criaram as condições imprescindíveis de serem mais saudáveis. E hoje a Saúde tem que fazer uma aliança estratégica com a Educação e o Ambiente de forma a que todos possamos aprender a não delapidar os nossos recursos e a impedir que outros o façam, mesmo que os abutres sejam os grandes grupos económicos ou agentes políticos que nada fizeram ou contribuíram para a plenitude da nossa liberdade.

Falta fazer muita coisa a nível mundial mas também em Portugal. E tu recordas-me um texto de um jornalista lá da minha banda, Angola, José Ribeiro, que afirma que “andar à frente do tempo só faz sentido, tal como a liberdade, quando existem como suporte as condições mínimas que garantam a dignidade humana. Num tempo em que prevalece o ter sobre o ser, os valores que fazem um ser humano sentir-se livre nem sempre estão garantidos e quase sempre são negados” Que no próximo ano os nossos políticos e o Governo reforcem as suas decisões estratégicas e que dêem mais valor às áreas sociais e, particularmente, à Saúde.

Não matem o que de bom foram construindo neste últimos anos porque muitas das vitórias deste povo e dos seus governantes merecem figurar como emblema de quem se preocupou em resolver os problemas nacionais. E tu e eu o que vamos fazer? Talvez continuarmos atentos.


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

E AGORA JOSÉ ERNESTO?

Também fomos convidados para estar presentes no salão Nobre da Câmara Municipal da Lousã para a homenagem e cessação de mandato de um amigo, Ernesto Carvalhinho. É verdade, desta vez não se esqueceram de nós os dois. E se a festa foi bonita! Discursos pouco formais, gente descontraída, políticos a falar até mal do poder instituído, provedor emocionado, público agradecido, justa homenagem a quem dedicou estes últimos oito anos a tornar o nosso Burgo num destino acessível. Até deu tempo para o responsável camarário corrigir um lapso do seu discurso tentando colocar todos os países da América latina no mesmo saco do poder "eterno" como se na nossa Europa e neste cantinho à beira mar plantado também não houvesse quem fica eternamente no "poleiro" dos poderes.
Já tínhamos a certeza que o amigão Carvalhinho não é subserviente, é humilde, cria compromissos e não brinca em serviço. Por isso nós os dois sabemos que a Lousã tem uma efectiva melhoria da qualidade de vida para as pessoas com incapacidade, uma sociedade mais aberta à inclusão, mudaram-se mentalidades e sobretudo criou-se uma vila mais acessível e equitativa para quem nela vive ou para quem a visita. Mas eles não sabem nem sonham que este "Senhor dos Anéis" é persistente além de crédulo e que apesar de deixar o cargo onde deixou uma obra importante que é preciso preservar, irá estar atento a quem terá de continuar este trabalho pois o Carvalhinho tem a "Arte da Guerra" de ser interventivo.
Todos temos a consciência de que esta é uma tarefa para muitos anos e que nunca será um trabalho concluído. O próximo Provedor não poderá ficar descansado pelo trabalho já realizado. Terá que escutar as recomendações do grupo técnico e dos cidadãos pois trata-se de uma tarefa complexa e que tem que congregar esforços e boas vontades. Apesar de tudo falta fazer o que ainda não foi feito começando por uma clara definição das prioridades e atacando os problemas mais pontuais. E nós sabemos que temos que melhorar a acessibilidade dos passeios nas áreas circundantes às Escolas, que as novas intervenções a realizar sigam, sem excepção, as normas técnicas e as boas práticas em matéria de acessibilidades, criar pavimentos sem ressaltos e mais rampas, apostar em intervenções para cegos e surdos utilizando sinais sonoros e luminosos a iniciar nos serviços públicos e melhorar o atendimento a pessoas com incapacidades.
Mas há mais. Melhorar a informação, disponibilizar ajudas técnicas e organização de acções de sensibilização para o atendimento são aspectos que parecendo pontuais são de extrema importância para mudar mentalidades. Insistir junto da comunicação social para servir de veículo aos conceitos básicos de acessibilidade e mobilidade é uma medida de ajuda importante como o são a organização de acções de sensibilização e de divulgação, passar mensagens aos munícipes através dos meios que o poder autárquico possui, envolver mais as escolas. Propor mais educação será sempre uma proposta muito positiva. O sector privado terá que estar mais sensibilizado para reformular espaços e equipamentos, colocar o turismo acessível ao serviço das pessoas, criar transportes de passageiros com acessibilidades para cadeira de rodas, transformar urgentemente a acessibilização das plataformas de acesso aos transportes públicos, criar serviço de táxis acessíveis, melhorar as oportunidades de emprego para pessoas com incapacidades e surgir com novos serviços direccionados a pessoas com incapacidades. Estes são passos importantes para aumentar a satisfação das pessoas com mobilidade condicionada.
E o poder político? Terá que ser mais incentivado e coadjuvado na execução de projectos exigentes e interventivos no pressuposto que a acessibilidade e a mobilidade sejam assumidas como um conceito básico de desenvolvimento da Lousã. Tem que se continuar a dar voz às pessoas com incapacidade, a sensibilizar os lousanenses com responsabilidades para as especificidades dos problemas, continuar a denunciar os problemas detectados no concelho, acompanhar os principais actos dos sectores camarários e sociais, participar de forma cada vez mais atenta no estudo, planeamento e execução das obras de iniciativa municipal e privada, a identificar e reencaminhar os problemas detectados para os serviços ou departamentos competentes e a promover a ligação entre as diversas entidades com responsabilidade na área da deficiência.
O futuro Provedor terá que continuar a marcar a agenda local, fazendo ouvir bem alto a voz dos cidadãos com incapacidade, para que governantes como Idália Moniz continuem a pensar e a constatar que a Lousã é um concelho especial. O próximo Provedor e a Provedoria terão que continuar a ter uma capacidade empreendedora, uma irreverência comprometida com os valores da acessibilidade e mobilidade para todos e também uma capacidade de iniciativa. Nós os dois estaremos atentos e subiremos a longa escada em que se torna difícil ultrapassar todos os degraus mas tendo a certeza que para contornarmos todos estes obstáculos só o esforço conjunto de mobilização de vontades é que nos leva ao cima desta enorme dificuldade. Estamos juntos José Ernesto.


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

11.11.1975

Hoje a minha eterna namorada faz 35 anos. Que sejas muito feliz minha querida ANGOLA. Muito obrigado camarada Neto, muito obrigado ao MPLA, assim diz a canção e eu canto ao mundo que os heróis quebraram as algemas na manhã de 4 de Fevereiro para hoje seres uma dama bué de gira.

domingo, 31 de outubro de 2010

JORGE GALPÉRIN

25.10.2010 - Aos meus amigos do meu bairro e a todos os outros meus amigos. Hoje é um dia triste para quem teve como amigo do coração o Jorge Galpérin, argentino, cirurgião de formação e médico de família por devoção. A notícia chegou-me pela Sílvia, a sua mulher. A 25 de Outubro o Jorge tinha saído do Planeta Terra para parte incerta para descansar do seu sofrimento. Se amo Buenos Aires, o Boca, Maradona, Che Guevara, as mães de branco, Evita, Gardel, o tango, a Argentina foi o Jorge que me levou a essa paixão. Até sempre, hasta siempre, meu eterno companheiro e um dia vem-nos visitar.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

RIDENTE TORRÃO DE MALANDROS

Percorremos as ruas do nosso burgo e nós os dois vamos falando da situação real do País pedindo aos deuses que nos ajudem a perceber o que se passa neste cantinho à beira mar plantado. E nos silêncios dos passos ouvimos um coelho sussurrar a um vistoso grupo de economistas, sábios pois claro, que isto vai mal e a culpa é do filósofo engenheiro que se quis armar em primeiro-ministro. Seja, mas...
Somos atropelados no nosso pensamento pela voz dos mais inquietos que afirmam à boca cheia que não acreditam em nada e em ninguém e que eles, os coelhos, os filósofos, as portas, as louças, os jerónimos e os sábios estão lá para se encherem.
E caminhando nas tortuosas vielas por onde caminham os ditos sábios que murmuram a sua atroz ignorância e a sua melancólica indiferença, sai-nos ao caminho das lembraduras José Régio que no início dos anos de 59 do século passado escrevia com a caneta das agruras que: “surge Janeiro frio e pardacento, descem da serra os lobos ao povoado, assentam-se os fantoches em S. Bento e o Decreto da fome é publicado”.
Este é o sentimento geral e a triste realidade para 2011. Impotentes mas resignados, todos vociferamos contra o rotativismo do poder disputados entre dois partidos, sempre e apenas porque estamos acomodados ao fado que nos traçaram, e que, já sabemos, devido à péssima qualidade intelectual dos intervenientes, dividem o poder entre eles, substituem-se nos lugares de chefia da administração pública e das empresas, aumentam os seus vencimentos à sua vontade e auferem subsídios e mordomias escandalosas. Não é inveja, rancor ou maledicência de nós os dois. Vem nos jornais e factos são factos.
E os coelhos e filósofos deste Portugal amordaçado mais os santos sábios dizem, uns para os outros, o que querem saber e são incapazes, falta-lhes a lucidez da clarividência, de escutar e ouvir vozes dissonantes e opiniões divergentes que lhes permitissem olhar para esta selva de uma forma mais clara e mais acertada. Mas todos eles, os ditos sábios que enganam o zé e percorrem os passos perdidos pertenceram a governos que nos impuseram o que de pior nos tem acontecido, auferem reformas de luxo, mais que uma claro, debitam no horário nobre das televisões lições salvadoras e patrióticas e, por muito que se esforcem, não dizem coisa alguma de importância.
São eles que nos receitam sempre os mesmos remédios para superarmos a crise: cortes nas despesas da educação e saúde, da segurança social, cortes nos salários da função pública, supressão do décimo terceiro mês, aumento dos medicamentos, redução nas reformas, e, eles, continuam a encher-se como afirmam os inquietos e os desacreditados, a enriquecer rápido e a arrogarem-se de salvadores da pátria.
Já não é só desacreditante, é sórdido. E compete aos cidadãos deste País fazer o que ainda não foi feito. Varrer o cantinho à beira mar plantado combatendo a indiferença, a ganância dissimulada, o luxo encoberto para que Portugal não continue a ser para muitos, como escreveu João de Barros, o “país padrasto e pátria madrasta” e para os que se ajustam “ridente torrão de malandros” como afirmou Filinto Elísio nas Sátiras. Ai Portugal, Portugal...
Ainda tivemos tempo de perguntar ao filósofo Sócrates, que estava de saída da cidade proibida se sabía onde estava a crise e ele respondeu-nos "só sei que nada sei"!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

XICO

Naquela tarde, entre dois cafés, nós dois conversávamos sobre aves osteófagas. Aves que se alimentam de ossos, ou quase exclusivamente, e que em Portugal se extinguiram no século XIX, em Junho de 1888, quando o rei D.Carlos resolveu dar uns fogachos lá para os lados do Guadiana e acabar com os dois últimos exemplares ainda existentes. Mas para nós existem uns grifos nos penhascos do Douro internacional, mais concretamente no Penedo Durão, Poiares de Freixo de Espada à Cinta, que com a sua aparência extravagante levada ao extremo nos seus olhos com um “anel de fogo”, que se não são abutres barbudos, ou quebra ossos, são da família.

Estávamos nós nesta dissertação intelectual quando o Xico, uma espécie de piriquito, resolveu abandonar a prisão onde se encontrava, da varanda à nossa frente, e ir descobrir novos mundos. Como a jovem ave não tinha anos de treino ou aperefiçoamento como os seus irmãos do jardim Camões em Macau, onde se passeiam em tardes calmas regressando no fim do dia ao seu lar sem dificuldades, causou preocupação a quem o criou e aos amigos. O Xico resolveu dar “baile” nessa tarde de domingo e proporcionar umas visitas a varandas e telhados cá do burgo. Voltaria horas mais tarde já cansado e afirmando que antes uma gaiola segura que uma vila em que os direitos dos animais não são completamente salvaguardados.

O Xico já cantava de novo, enfeitando a pluma colorida com retalhos ainda mais coloridos de enfeites carnavalescos, quando nós dois sabíamos que na urbe maus tratos a animais, envenenamentos, abandono, instalações inadequadas para os sem dono, esterilização de cães e gatos sem regras ou inexistentes, canil provisório sem licença nem homologado, a não existência de um centro de recolha animal, são um “pão nosso de cada dia” como diriam, em 1888, os republicanos ao saber da proeza do monarca ornitólogo e pintor das aves que eliminava.

Dirão alguns que fazer o que ainda não foi feito na defesa dos direitos dos animais será um acto sem interesse, pouco importante, com processos burocráticos complicados e morosos e que envolvem muitas variáveis e que mais vale, dá mais visibilidade, falarmos de touros e toureiros. Mas é sem dúvida um acto de cidadania e de democracia e eis-nos em final do dia a ouvir o Xico a cantar Só Nós Dois É Que Sabemos. Ou seria a Anabela e o seu novo disco Nós, com produção de Laurent Filipe?


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

C(S)EM ANOS DA REPÚBLICA

E hoje, nós dois, de que falamos? Estamos para aqui sentados, entre dois cafés, numa noite ainda quente do início do Outono, vendo um luar que cobre de azul o pouco verde da nossa serra, sonhando com um mundo melhor, um mundo onde a cultura pedagógica fosse irmã da memória histórica.

Em silêncio, não nos apetece perturbar os espíritos do burgo com matanças do porco (a da Cerdeira foi a melhor), jantares falhados lá para os lados do S. Paulo, eleições entre Mários e Vitores, crucificação da classe média, dos mais pobres e, milagre com alcunha de socialista, como continuar a enriquecer os mais ricos.

Estamos nas comemorações da República, cem anos, 100 montaditos, e chega-nos à memória uma das figuras indiscutíveis da nossa terra e homem livre com um empenhamento cívico e cultural invejável, Álvaro Viana de Lemos. Residente da república e de repúblicas, este lousanense sempre teve a coragem de exaltar a terra que o viu nascer (já vimos lousanenses renegar a terra que os fez alguém!) e dar largas à sua paixão de divulgar, promover e fomentar, como prioridade indiscutível e inadiável, a cultura popular, a luta pela defesa da educação e da instrução. A grande preocupação da sua vida foi a difusão do ensino. Republicano convicto condenou sem exitações a barbaridade de estrangular a escola, a educação e a promoção do facilitismo. Promotor de uma educação nova que foi duramente reprimida por Salazar, combateu sem tréguas o analfabetismo e a iliteracia.

Uma Aventura teria muito que aprender ainda hoje com Álvaro Viana de Lemos. Não basta dar o seu nome aos agrupamentos de escolas da Lousã para se pensar que foi feito o que ainda está por fazer. Sim porque a Lousã, apesar da extinção deste agrupamento, deveria continuar a dar o nome ao agrupamento de escolas da Lousã ao fundador da Universidade Livre.

É de lamentar que o novo agrupamento tenha 13 escolas, 2700 alunos, não possua a estabilidade necessária, serviços administrativos adequados, espaços físicos capazes, excesso de turmas, poucos recursos humanos a nível dos assistentes operacionais, quase desaparecimento do ensino especial (só na Escola Secundária da Lousã existem 40 alunos com necessidades educativas especiais), encerramento de escolas e falta de um projecto educativo condizente com a nova realidade. Elogiar o corpo docente, manifestar a nossa solidariedade com quem sofre na pele esta “bagunça” que se instalou no Portugal que ainda é “metade Jorge de Brito e metade Jorge de Melo”, é um acto de cidadania. Mas falta fazer a reflexão crítica sobre o que se está a passar, imbuir a intervenção educativa de responsabilidade social, fazer inovação pedagógica e dar sentido ao património de cultura pedagógica que elegemos como nossa.

Reagimos lutando contra os instalados ou mantemo-nos "instalados".

Nós dois é que sabemos mas vamos reagir... Álvaro Viana de Lemos também saberia reagir porque tinha a sublime dedicação na missão de educador.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

IMPERDOÁVEL

Imperdoável! E nós os dois ali sentados no muro da eira do Talasnal a pensar que iríamos dizer imperdível. Gostava de ter escrito esta crónica e não ter razão. Pois... Mas a realidade é bem diferente daquilo que nos apresentam, que nos fornecem em casa, nos desdobráveis informativos, pasme-se, turísticos, e que afinal a tal realidade ainda falta fazer. Num sábado deste mês de Setembro resolvemos ir descobrir o que já tinha sido feito desde os tempos dos nossos avós e assistir a uma magnífica descamisada de milho. A convite de gente simpática do Grupo Etnográfico da Região da Lousã (GERL), numa tarde solarenga, lá fomos nós recordar a descamisada do milho, o alqueire, a rasa, o malhar, o carolo, o milho rei, o trabalho e a abundância. E no final, ou terá sido depois das danças, a buxa, uma sopa dos deuses e uma ginginha dos anjos.

Mas só nós dois é que sabemos o que pode ser imperdível e o que é imperdoável. Já falamos do imperdível. Falemos do imperdoável. Iniciada a subida da Serra, a estrada estava linda pá e fico contente. Como dizia a minha avó “foi sol de pouca dura”! Ao fim de poucos metros (dirão os autarcas, kilómetros) começou o calvário. Buracos, pó, pedras, valeiros, ramos na picada, regresso à África minha da nossa infância. E chegados lá, não à aldeia cravada na serra mas sim à aldeia encravada na serra, todos, poucos lousanenses, umas dezenas de turistas e motards, falavam das péssimas condições de acesso, das obras prometidas há meses, do dinheiro gasto e, digo eu, da publicidade enganosa de uma agenda cultural que nos querem fazer crer que as aldeias do xisto da Lousã estão na rota do turismo da região.

É verdade que existe uma tonalidade específica do xisto que nos envolve da cabeça aos pés, terras de artesãos, mas em Gondramaz, no Piódão, na Benfeita, em Fajão, mas nunca por estas aldeias da Serra da Princesa Peralta em que para lá chegarmos ficamos com uma tonalidade acastanhada de pó e secura. Interessante, ou talvez não, chegados ao local de cultura, estamos sós, o GERL e as gentes do meu povo. Homens da cultura do burgo talvez estivessem postados em oração à Senhora da Piedade para o milagre da eira.

Ainda no Curral onde alguns afogavam as mágoas numas loiras estupidamente geladas, a Maria, mulher de muitas histórias, lembrou-me o Malhadinhas e Aquilino Ribeiro. Disse-me ela que Aquilino Ribeiro foi uma figura controversa da história de Portugal, sendo mais um combatente que um resistente, que lutou com tenacidade pelos valores da liberdade, da solidariedade e da cidadania dos portugueses. E nós os dois gostaríamos de acabar esta crónica, que foi feita a pensar que tenho razão e que devíamos fazer o que ainda não foi feito, citando Aquilino: “Olhos brancos em cara portuguesa ou é filho da puta ou erro da Natureza”. Que a Natureza lhes perdoe já que a Senhora da Piedade anda ocupada com outras pedras que não as das Aldeias do Xisto e, acredito, Aquilino Ribeiro nunca lhes perdoaria.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

SAÚDE PARA TODOS

Não sei se as pessoas tomam conhecimento das boas, e porque não das más, notícias sobre a sua terra, a sua região, os acontecimentos, o que foi feito, o que ainda está por fazer. Cá para nós os dois fala-se com mais ligeireza sobre o que de mal acontece e especulamos muito sobre o que não sabemos em vez de apresentarmos soluções e tentarmos que a nossa realidade tenha paredes de vidro. Transparência de processos era o que todos devíamos exigir.
Hoje apetece-me, num dos recantos da nossa vila, e enquanto passamos em revista o que tem sido realizado cá no burgo, falarmos, entre nós os dois, sobre o que de bom foi feito e como se pode melhorar. Soube-se que a Unidade de Saúde Familiar da Serra da Lousã, criada por alguns profissionais do Centro de Saúde há uns anos, dando corpo à Reforma dos Cuidados de Saúde Primários encetada pelo então ministro Correia de Campos, atingiu a pontuação máxima, em termos de desempenho, como resultado de avaliação das USF de 2009 realizada pela Administração Regional de Saúde do Centro. Em relação a 2008 houve um acréscimo de sucesso pelo que a ARS do Centro se congratula.
Estamos todos de parabéns. Foi fácil atingir o topo. Mais difícil será manter a posição agora atingida. Não que o empenhamento não seja o mesmo. Não que o esforço e o desejo de todos os profissionais que trabalham e/ou trabalharam na Unidade de Saúde agora distinguida se esmoreça. Não, lousanenses. O que assistimos é à tentativa vã de se acabar com o Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, o de não haver uma política de saúde concelhia de enquadrar todos os ganhos em mais valias, o de termos boas práticas no que concerne a um verdadeiro e eficaz serviço de cuidados domiciliários e continuados, a uma articulação eficiente entre todos os agentes que promovem e prestam saúde.
Não serve só construir-se edifícios para albergar as Unidades Funcionais de Saúde da Lousã, termos um Presidente da Câmara solidário com estes desígnios, profissionais empenhados, cidadãos mais atentos e interventivos. É preciso que o partido que sustenta o Governo, e o próprio Governo, estejam empenhados para que a Reforma avance, não entreguem ao sector privado aquilo que é da sua obrigação fazer, o executivo camarário deixe de falar a uma só voz, os utilizadores da USF criem uma Liga para intervir nos programas e promoção da saúde, o Conselho da Comunidade entre em acção e os cidadãos exijam mais saúde mas que também sejam responsabilizados pelos atropelos que vão cometendo à sua saúde.
Soubemos que uma nova candidatura a USF para a Lousã deu entrada nos órgãos competentes. Significa mais responsabilidade para quem gere os destinos da saúde no concelho, na região e na zona centro. Mas significa também que se está a fazer o que ainda não foi feito. Acreditar que vale a pena trabalharmos para o bem comum de todos, termos uma saúde que queremos melhor e com mais qualidade constituindo a base primeira para um acto de cidadania.
Quem quiser consultar o Relatório de Avaliação de 2009 este está disponível para consulta e download em
http://www.arscentro.min-saude.pt/Contratualizacao/Paginas/CuidadosPrimarios.aspx.

sábado, 28 de agosto de 2010

30 ANOS É MUITO TEMPO

Aqui... só para nós os dois, já merecíamos melhor que andarmos cada um para seu canto. Não basta termos tanto espaço e depois estar tudo um pouco abandonado, um pouco desaproveitado, sem história, sem tradição, sem cultura. A nossa tristeza advém de não termos um rumo certo, uma estrada que nos leve a um porto seguro, um discernimento que nos faça sentir que podemos fazer qualquer coisa de positivo. Depois das folhas caídas e das nov'árvores o stress que se apoderou da cultura da serra é quase patológico e não se vê das entidades responsáveis pela cultura do burgo uma tentativa de não deixar alastrar a doença. Fazer a festa com os pais e filhos do pimba cultural a que este país e a região estão votados não é concerteza o que nós dois gostaríamos de fazer e que ainda não foi feito.
Um tal Ramiro Simões, um dos tigres do quadrívio mais um, com 30 anos de carreira, quase tantos como os meus ouvidos se habituaram a ter e a ouvir as canções do Zeca, do Adriano, do Sérgio, do Fausto, do Mingas, do Diakimuezo, do Caetano, do Xico, do Pablo, do Silvio e de tantos outros nas curvas da minha liberdade, merecia que a sua terra olhasse mais pelos filhos da nação. Não basta ter um Cine-Teatro, apoiar as associações do concelho, fazer festivais de verão, entregar diplomas de mérito, efectuar homenagens e distribuir cumprimentos e abraços. É necessário colocar os valores da terra ao serviço de quem homenageamos, de quem elogiamos, de quem nos aproveitamos, de quem sabemos onde estão quando precisamos. Os Ramiros desta Lousã mereciam uma verdadeira política cultural, um Cine-Teatro que fosse uma verdadeira casa do artista, uma política que reúna todas as vertentes de opinião e saberes, uma liberdade a sério, um desejo de um amanhã melhor. Que não seja preciso esperar mais 30 anos!