segunda-feira, 20 de setembro de 2010

IMPERDOÁVEL

Imperdoável! E nós os dois ali sentados no muro da eira do Talasnal a pensar que iríamos dizer imperdível. Gostava de ter escrito esta crónica e não ter razão. Pois... Mas a realidade é bem diferente daquilo que nos apresentam, que nos fornecem em casa, nos desdobráveis informativos, pasme-se, turísticos, e que afinal a tal realidade ainda falta fazer. Num sábado deste mês de Setembro resolvemos ir descobrir o que já tinha sido feito desde os tempos dos nossos avós e assistir a uma magnífica descamisada de milho. A convite de gente simpática do Grupo Etnográfico da Região da Lousã (GERL), numa tarde solarenga, lá fomos nós recordar a descamisada do milho, o alqueire, a rasa, o malhar, o carolo, o milho rei, o trabalho e a abundância. E no final, ou terá sido depois das danças, a buxa, uma sopa dos deuses e uma ginginha dos anjos.

Mas só nós dois é que sabemos o que pode ser imperdível e o que é imperdoável. Já falamos do imperdível. Falemos do imperdoável. Iniciada a subida da Serra, a estrada estava linda pá e fico contente. Como dizia a minha avó “foi sol de pouca dura”! Ao fim de poucos metros (dirão os autarcas, kilómetros) começou o calvário. Buracos, pó, pedras, valeiros, ramos na picada, regresso à África minha da nossa infância. E chegados lá, não à aldeia cravada na serra mas sim à aldeia encravada na serra, todos, poucos lousanenses, umas dezenas de turistas e motards, falavam das péssimas condições de acesso, das obras prometidas há meses, do dinheiro gasto e, digo eu, da publicidade enganosa de uma agenda cultural que nos querem fazer crer que as aldeias do xisto da Lousã estão na rota do turismo da região.

É verdade que existe uma tonalidade específica do xisto que nos envolve da cabeça aos pés, terras de artesãos, mas em Gondramaz, no Piódão, na Benfeita, em Fajão, mas nunca por estas aldeias da Serra da Princesa Peralta em que para lá chegarmos ficamos com uma tonalidade acastanhada de pó e secura. Interessante, ou talvez não, chegados ao local de cultura, estamos sós, o GERL e as gentes do meu povo. Homens da cultura do burgo talvez estivessem postados em oração à Senhora da Piedade para o milagre da eira.

Ainda no Curral onde alguns afogavam as mágoas numas loiras estupidamente geladas, a Maria, mulher de muitas histórias, lembrou-me o Malhadinhas e Aquilino Ribeiro. Disse-me ela que Aquilino Ribeiro foi uma figura controversa da história de Portugal, sendo mais um combatente que um resistente, que lutou com tenacidade pelos valores da liberdade, da solidariedade e da cidadania dos portugueses. E nós os dois gostaríamos de acabar esta crónica, que foi feita a pensar que tenho razão e que devíamos fazer o que ainda não foi feito, citando Aquilino: “Olhos brancos em cara portuguesa ou é filho da puta ou erro da Natureza”. Que a Natureza lhes perdoe já que a Senhora da Piedade anda ocupada com outras pedras que não as das Aldeias do Xisto e, acredito, Aquilino Ribeiro nunca lhes perdoaria.

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