quinta-feira, 24 de novembro de 2011

TAPARUERE DA DIGNIDADE



Brinco contigo por entrares no Borges com um taparuere e quando disparo se vens à sopa dos pobres resmungas e ficas mesmo zangado pois os tempos não estão para brincadeiras nem tão pouco para apelarmos à pobreza. Recordas-me Mikis Theodorakis, compositor e cantante grego que idolatramos na nossa juventude e adolescência e referes uma entrevista que deu a um programa popular na Grécia.
Theodorakis, num momento em que a Grécia e os países do sul da Europa são colocados sob a tutela da Troika, em que os estados reprimem as manifestações (caso dos Estados Unidos) e que a própria Europa prossegue nos salvamentos financeiros, apela aos gregos e aos europeus a combaterem e alerta para que, ao ritmo a que isto chegou, os bancos voltarão a implementar o fascismo no continente.
Será que são palavras e afirmações fortes e em quem ninguém pode acreditar? Não nos parece. Theodorokais, desde a primeira hora, resistente à ocupação nazi e fascista, combatente republicano desde a guerra civil e torturado durante o regime dos coronéis, possui um capital de credibilização que vai muito para além das más-línguas e dos puristas neoliberais que “empurram” os governos europeus a se submeterem à senhora Merkel e ao chefe de fila Sarkozy. Se também Portugal continuar nesta “onda” será o nosso fim quer como povo quer como nação e o nosso governo não passa de uma “formiga” diante destes “parceiros”. A única solução é levantarmo-nos, fazer o que ainda não foi feito e combatermos pois consideramos esta política “brutal e ofensiva” e por isso é que estamos na rua, protestamos e fazemos greve.
Em carta aberta aos povos europeus e publicada em numerosos jornais, Mikis refere que
"o nosso combate não é apenas o da Grécia, mas aspira a uma Europa livre, independente e democrática. Não acreditem nos vossos governos quando eles alegam que o vosso dinheiro serve para ajudar a Grécia. (...) Os programas de "salvamento da Grécia" apenas ajudam os bancos estrangeiros, precisamente aqueles que, por intermédio dos políticos e dos governos a seu soldo, impuseram o modelo político que conduziu à actual crise.
Não há outra solução senão substituir o actual modelo económico europeu, concebido para gerar dívidas, e voltar a uma política de estímulo da procura e do desenvolvimento, a um proteccionismo dotado de um controlo drástico das Finanças. Se os Estados não se impuserem aos mercados, estes acabarão por engoli-los, juntamente com a democracia e todas as conquistas da civilização europeia. A democracia nasceu em Atenas, quando Sólon anulou as dívidas dos pobres para com os ricos. Não podemos autorizar hoje os bancos a destruir a democracia europeia, a extorquir as somas gigantescas que eles próprios geraram sob a forma de dívidas.
Não vos pedimos para apoiar a nossa luta por solidariedade, nem porque o nosso território foi o berço de Platão e de Aristóteles, de Péricles e de Protágoras, dos conceitos de democracia, de liberdade e da Europa. (...)
Pedimos-vos que o façam no vosso próprio interesse. Se autorizarem hoje o sacrifício das sociedades grega, irlandesa, portuguesa e espanhola no altar da dívida e dos bancos, em breve chegará a vossa vez. Não podeis prosperar no meio das ruínas das sociedades europeias. Quanto a nós, acordámos tarde mas acordámos. Construamos juntos uma Europa nova, uma Europa democrática, próspera, pacífica, digna da sua história, das suas lutas e do seu espírito. Resistamos ao totalitarismo dos mercados que ameaça desmantelar a Europa transformando-a em Terceiro Mundo, que vira os povos europeus uns contra os outros, que destrói o nosso continente, provocando o regresso do fascismo
".
Quem não viu o filme Zorba, O Grego baseado no livro de Nikos Kazantzakis com música de Mikis Theodorakis e que não é mais que um cântico à liberdade do ser humano que vê na existência terrena seu único esteio antes da completa aniquilação? Se não viram vejam e se viram revejam. Não devemos deixar correr uma vida que deixa romper as horas sem saborear os minutos e que esteja calcada num inconsistente sentimento de culpa. Devemos ser os olhos, o nariz, a boca, os ouvidos da dignidade humana.

domingo, 13 de novembro de 2011

ASSATA SHAKUR


Penso que hoje estás mais com aquele ar de mudança de quem pretende acabar com o virus da ópera bufa da democracia. Não me parece que tenha que ver com a feira da castanha e do mel e com um tal Julio Isidro que se calhar nem sabe que existem alguns homens da cultura no nosso burgo e que não seria preciso trazer tanto pimba de longe. Ou será mesmo que andas preocupado de o reinado ter passado de Carvalho para Antunes? Sim sei que estás contente pela saida do último ditador do mediterrâneo, um tal Berlusconi, que não resistiu ao virus que eliminou Zine El Abidine Ben Ali, Muamar Muammad Abu Minyar Gaddafi ou Muhammad Hosni Said Mubarak. Mas para quem se chama Silvio e faz brincadeiras bunga-bunga a sua saída não faz mais do que alegrar o povo e até põe os sinos a repenicar de alegria.
Mas não foi para isso que viemos aqui beber uma jeropiga e saborear umas castanhas com mel. Trazes o jornal e contas-me a estória de Assata Shakur. O que não sabes é que a democracia nada permite ou quase nada aceita se não for para se defender a ela própria. E então quando é o império americano a mandar ainda ficas mais a dizer-me “diz-me como te chamas… e dir-te-ei quem és”. O facto passa-se em Itália e com o futebol. A Federação Italiana de Futebol quer suspender a euipa de futebol que disputa a terceira divisão e que se chama Assata Shakur. Ou o clube muda o nome ou acaba para o futebol da democracia. E porquê? Porque este clube de Ancona, que nasceu em 2001, resolveu ter como lema a promoção do desporto como um direito para todos. E para tal compromisso exigia-se ter um epíteto à altura e para tal adotou o de uma heroína afro-americana foragida. Ativista dos anos 70 e lutadora contra o racismo, militante do movimento Panteras Negras, Assata Shakur, ou melhor Joanne Chesimard de seu nome verdadeiro, é considerada desde 2005, nos Estados Unidos, uma “terrorista interna”.
Perseguida por causa da sua ideologia política, esta militante de esquerda de 64 anos de idade, foi acusada, e presa em 1973, por ter assassinado um polícia. Fugiu em 1979 e foi condenada num julgamento polémico embora tenha sempre afirmado a sua inocência. Viva atualmente em Cuba onde pediu asilo político. Afinal também há americanos que, por motivos políticos, também pedem ajuda a outros países para poderem viver em liberdade. Em Nova York não há nenhuma equipa de soccer ou de basquetebol que se chame Assata Shakur mas os apoiantes desta senhora são incontáveis.
Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes, mas não aprendemos a viver como irmãos”. Palavras de Martin Luther King e que é o lema da associação Polidesportiva Assata Shakur de Ancona. E como tu andas a magicar nas palavras do Bento XVI que afirmou que “todas as crianças batizadas se tornam filhas de Deus, a começar pelo nome cristão”, ficas assim como uma navio à deriva com dores que o tempo não consegue apagar. E pedimos desculpa por esta interrupção mas a democracia segue dentro de momentos, assim mesmo sem sabermos fazer nada do que ainda não foi feito.