quinta-feira, 4 de agosto de 2011

MATUMBORIZADOS… E LANZAROTE AQUI TÃO PERTO



Hoje vens com muita sabedoria debaixo do braço como se fosses um intelectual armado em professor de café e onde debitas tudo o que te vem à cabeça. Ele é jornais, ele é revistas mesmo as cor-de-rosa, ele é documentos oficiais da troika e do triunvirato nacional e até um dicionário de kimbundu para me deixares assim como criança que vai receber a sua primeira lição de sabedoria. Quando entras assim, logo me parece que vens um pouco rafeiro, até mesmo quase ignorante e talvez a dares uma de asno que, já que és portador do dicionário de uma das línguas faladas em Angola, o tal kimbundu, e pareces mesmo matumbo.
Gritas que este triunvirato que governa o nosso terreno ibérico entrou numa de privatizar tudo. Ele é transportes, ele é eletricidade, ele é água, ele é televisão, enfim tudo o que pode dar lucro e amassar ainda mais os pequenos, zás, privatiza-se. E depois vem o sacro santo discurso que estamos mal, mesmo muito mal, que não temos outra alternativa perante a crise, que mais isto e mais aquilo.
Eu e tu bem que ensinamos que falta fazer o que ainda não foi feito mas o matumbo continua a limpar as mãos às calças, a limpar os sapatos com a toalha do banheiro, a fazer os disparates mais impensáveis e a assobiar para o ar sem pensar que isto não vai e ainda nem sequer chegamos a meio. E o povo pá! Então eu aí vou buscar uma das coisas boas que tem a língua portuguesa, que é não ser uma língua morta, chingar os puristas e os contras do acordo ortográfico e afirmar como aquele kudurista (cantor de kuduru, génereo musical angolano) luandense, que aborrecido com tanta pacatez cívica lá da banda e tanta ignorância, resolveu chamar à grande maioria dos caluandas, matumborizados. Talvez porque os luandenses andem, maioritariamente, de motorizada, o inteligente resolveu dar nome aos que circulam de um lado para o outro sem produzirem nada, nem uma ideia, matumborizados. E não é que o termo pegou e quando queres fazer gozação com alguém por quem não tens simpatia lhe chamas mesmo de matumborizado.
E cá na Portugália, entre duas imperiais, umas canecas, a aguardar melhores dias, logo pegaste no termo luandense, que há-de chegar aos dicionários dos doutores e ficar, e disseste-me que este povo anda amorfo, sem chama, tudo aceita e até parece que andamos todos matumborizados. Num passo de mágica, pegas num livro de José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário III, abres na página 148, e deixas-me ler um pequeno parágrafo para me despertares ainda mais a consciência cívica de um pobre cidadão que tudo aceita: “Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos”.
Apetece-me, também, ir para Lanzarote e desejar boas férias a todos.