segunda-feira, 25 de julho de 2011

A CIDADE É UM CHÃO DE PALAVRAS PISADAS

Entras apressado como se tivesses visto algo de estranho na urbe e como já tudo não te parecesse normal neste Portugal que agora está abaixo de lixo, dito por aquelas almas sapientes das agências de rating que muitos veneraram e os mesmos agora vociferam contra elas. Mais seguro que o Xico Anis afirmas que está tudo mal, a salvação está na geração à rasca e nos desassossegados e que o capitalismo está moribundo. Até o Obama está à rasca e fosse ele grego, irlandês ou espanhol e já estava numa tenda de uma praça da cidade a dizer que isto tá mal e os políticos são uns vendidos. Com teu sorriso de escárnio ainda perguntas como é que isto pode mudar se, ainda agora, viste cá na cidade dos doutores, muitos a dar pancadinhas nas costas do Tozé Vai Seguro e logo a seguir, os mesmos, ufanos, a gritar Xico Anis és o maior. Falta de coluna dorsal, digo eu.
E é por estas e por outras que estes mesmos mafarricos se vão encostando ao poder para manter a aparência, quais emplastros em dia de futebol, e não têm decoro de se colocarem em bicos de pé a apoiar a política do bota abaixo e acabando com as conquistas que tu e eu e mais milhares de zés fomos vencendo ao longo dos anos. Sim, porque são estes arautos do oportunismo que hoje falam em privatizar a saúde, dar de mão beijada serviços de qualidade aos melos, belmiros e misericórdias para encherem ainda mais os bolsos e colocar os sacrifícios nos mais pobres e desculpar as asneiras da banca, seguros e novos-ricos.
O que defendem os arautos do primado do privado não é que o Estado gaste menos em saúde, mas que o Estado transfira para os grupos privados a prestação de cuidados garantindo os clientes e assumindo o pagamento dos custos. Ou seja, que o Estado fique com a promoção e o financiamento, o que tem custos, e os grupos privados com a prestação de cuidados, o que dá lucro. A privatização e o crescimento do papel e da influência do capital no sistema de saúde têm-se saldado pelo crescimento da despesa pública e dos custos pagos directamente pelos bolsos dos doentes, como acontece em Portugal. Os grupos monopolistas favorecidos pela política de direita dizem apostar na saúde como área de negócio, mas o alvo dos seus investimentos não é na saúde! É a doença o centro da sua actividade e a fonte dos seus lucros.
Eles ignoram deliberadamente os resultados obtidos em saúde ao longo dos trinta e dois anos de existência do SNS, medidos a partir de indicadores como o aumento da esperança de vida e taxas de mortalidade, a campanha procura acelerar e aprofundar o processo de privatização em curso de acordo com as orientações expressas nos programas da troika e do Governo, de transferir do Estado, o tal sujeito “demasiado gordo”, para os grupos privados da saúde, uma parte significativa da prestação de cuidados. Mas é preciso destacar que a OCDE considerou que a despesa pública em saúde não tem grandes desperdícios e que será difícil ser muito mais eficiente. Considerou ainda que para os ganhos em saúde da população, os gastos até nem dispararam.
Hoje estás muito sério e eu descarrego a minha fúria num copo de poesia de Ary dos Santos:
A cidade é um chão de palavras pisadas / a palavra criança a palavra segredo / A cidade é um céu de palavras paradas / a palavra distância e a palavra medo.