domingo, 31 de outubro de 2010

JORGE GALPÉRIN

25.10.2010 - Aos meus amigos do meu bairro e a todos os outros meus amigos. Hoje é um dia triste para quem teve como amigo do coração o Jorge Galpérin, argentino, cirurgião de formação e médico de família por devoção. A notícia chegou-me pela Sílvia, a sua mulher. A 25 de Outubro o Jorge tinha saído do Planeta Terra para parte incerta para descansar do seu sofrimento. Se amo Buenos Aires, o Boca, Maradona, Che Guevara, as mães de branco, Evita, Gardel, o tango, a Argentina foi o Jorge que me levou a essa paixão. Até sempre, hasta siempre, meu eterno companheiro e um dia vem-nos visitar.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

RIDENTE TORRÃO DE MALANDROS

Percorremos as ruas do nosso burgo e nós os dois vamos falando da situação real do País pedindo aos deuses que nos ajudem a perceber o que se passa neste cantinho à beira mar plantado. E nos silêncios dos passos ouvimos um coelho sussurrar a um vistoso grupo de economistas, sábios pois claro, que isto vai mal e a culpa é do filósofo engenheiro que se quis armar em primeiro-ministro. Seja, mas...
Somos atropelados no nosso pensamento pela voz dos mais inquietos que afirmam à boca cheia que não acreditam em nada e em ninguém e que eles, os coelhos, os filósofos, as portas, as louças, os jerónimos e os sábios estão lá para se encherem.
E caminhando nas tortuosas vielas por onde caminham os ditos sábios que murmuram a sua atroz ignorância e a sua melancólica indiferença, sai-nos ao caminho das lembraduras José Régio que no início dos anos de 59 do século passado escrevia com a caneta das agruras que: “surge Janeiro frio e pardacento, descem da serra os lobos ao povoado, assentam-se os fantoches em S. Bento e o Decreto da fome é publicado”.
Este é o sentimento geral e a triste realidade para 2011. Impotentes mas resignados, todos vociferamos contra o rotativismo do poder disputados entre dois partidos, sempre e apenas porque estamos acomodados ao fado que nos traçaram, e que, já sabemos, devido à péssima qualidade intelectual dos intervenientes, dividem o poder entre eles, substituem-se nos lugares de chefia da administração pública e das empresas, aumentam os seus vencimentos à sua vontade e auferem subsídios e mordomias escandalosas. Não é inveja, rancor ou maledicência de nós os dois. Vem nos jornais e factos são factos.
E os coelhos e filósofos deste Portugal amordaçado mais os santos sábios dizem, uns para os outros, o que querem saber e são incapazes, falta-lhes a lucidez da clarividência, de escutar e ouvir vozes dissonantes e opiniões divergentes que lhes permitissem olhar para esta selva de uma forma mais clara e mais acertada. Mas todos eles, os ditos sábios que enganam o zé e percorrem os passos perdidos pertenceram a governos que nos impuseram o que de pior nos tem acontecido, auferem reformas de luxo, mais que uma claro, debitam no horário nobre das televisões lições salvadoras e patrióticas e, por muito que se esforcem, não dizem coisa alguma de importância.
São eles que nos receitam sempre os mesmos remédios para superarmos a crise: cortes nas despesas da educação e saúde, da segurança social, cortes nos salários da função pública, supressão do décimo terceiro mês, aumento dos medicamentos, redução nas reformas, e, eles, continuam a encher-se como afirmam os inquietos e os desacreditados, a enriquecer rápido e a arrogarem-se de salvadores da pátria.
Já não é só desacreditante, é sórdido. E compete aos cidadãos deste País fazer o que ainda não foi feito. Varrer o cantinho à beira mar plantado combatendo a indiferença, a ganância dissimulada, o luxo encoberto para que Portugal não continue a ser para muitos, como escreveu João de Barros, o “país padrasto e pátria madrasta” e para os que se ajustam “ridente torrão de malandros” como afirmou Filinto Elísio nas Sátiras. Ai Portugal, Portugal...
Ainda tivemos tempo de perguntar ao filósofo Sócrates, que estava de saída da cidade proibida se sabía onde estava a crise e ele respondeu-nos "só sei que nada sei"!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

XICO

Naquela tarde, entre dois cafés, nós dois conversávamos sobre aves osteófagas. Aves que se alimentam de ossos, ou quase exclusivamente, e que em Portugal se extinguiram no século XIX, em Junho de 1888, quando o rei D.Carlos resolveu dar uns fogachos lá para os lados do Guadiana e acabar com os dois últimos exemplares ainda existentes. Mas para nós existem uns grifos nos penhascos do Douro internacional, mais concretamente no Penedo Durão, Poiares de Freixo de Espada à Cinta, que com a sua aparência extravagante levada ao extremo nos seus olhos com um “anel de fogo”, que se não são abutres barbudos, ou quebra ossos, são da família.

Estávamos nós nesta dissertação intelectual quando o Xico, uma espécie de piriquito, resolveu abandonar a prisão onde se encontrava, da varanda à nossa frente, e ir descobrir novos mundos. Como a jovem ave não tinha anos de treino ou aperefiçoamento como os seus irmãos do jardim Camões em Macau, onde se passeiam em tardes calmas regressando no fim do dia ao seu lar sem dificuldades, causou preocupação a quem o criou e aos amigos. O Xico resolveu dar “baile” nessa tarde de domingo e proporcionar umas visitas a varandas e telhados cá do burgo. Voltaria horas mais tarde já cansado e afirmando que antes uma gaiola segura que uma vila em que os direitos dos animais não são completamente salvaguardados.

O Xico já cantava de novo, enfeitando a pluma colorida com retalhos ainda mais coloridos de enfeites carnavalescos, quando nós dois sabíamos que na urbe maus tratos a animais, envenenamentos, abandono, instalações inadequadas para os sem dono, esterilização de cães e gatos sem regras ou inexistentes, canil provisório sem licença nem homologado, a não existência de um centro de recolha animal, são um “pão nosso de cada dia” como diriam, em 1888, os republicanos ao saber da proeza do monarca ornitólogo e pintor das aves que eliminava.

Dirão alguns que fazer o que ainda não foi feito na defesa dos direitos dos animais será um acto sem interesse, pouco importante, com processos burocráticos complicados e morosos e que envolvem muitas variáveis e que mais vale, dá mais visibilidade, falarmos de touros e toureiros. Mas é sem dúvida um acto de cidadania e de democracia e eis-nos em final do dia a ouvir o Xico a cantar Só Nós Dois É Que Sabemos. Ou seria a Anabela e o seu novo disco Nós, com produção de Laurent Filipe?


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

C(S)EM ANOS DA REPÚBLICA

E hoje, nós dois, de que falamos? Estamos para aqui sentados, entre dois cafés, numa noite ainda quente do início do Outono, vendo um luar que cobre de azul o pouco verde da nossa serra, sonhando com um mundo melhor, um mundo onde a cultura pedagógica fosse irmã da memória histórica.

Em silêncio, não nos apetece perturbar os espíritos do burgo com matanças do porco (a da Cerdeira foi a melhor), jantares falhados lá para os lados do S. Paulo, eleições entre Mários e Vitores, crucificação da classe média, dos mais pobres e, milagre com alcunha de socialista, como continuar a enriquecer os mais ricos.

Estamos nas comemorações da República, cem anos, 100 montaditos, e chega-nos à memória uma das figuras indiscutíveis da nossa terra e homem livre com um empenhamento cívico e cultural invejável, Álvaro Viana de Lemos. Residente da república e de repúblicas, este lousanense sempre teve a coragem de exaltar a terra que o viu nascer (já vimos lousanenses renegar a terra que os fez alguém!) e dar largas à sua paixão de divulgar, promover e fomentar, como prioridade indiscutível e inadiável, a cultura popular, a luta pela defesa da educação e da instrução. A grande preocupação da sua vida foi a difusão do ensino. Republicano convicto condenou sem exitações a barbaridade de estrangular a escola, a educação e a promoção do facilitismo. Promotor de uma educação nova que foi duramente reprimida por Salazar, combateu sem tréguas o analfabetismo e a iliteracia.

Uma Aventura teria muito que aprender ainda hoje com Álvaro Viana de Lemos. Não basta dar o seu nome aos agrupamentos de escolas da Lousã para se pensar que foi feito o que ainda está por fazer. Sim porque a Lousã, apesar da extinção deste agrupamento, deveria continuar a dar o nome ao agrupamento de escolas da Lousã ao fundador da Universidade Livre.

É de lamentar que o novo agrupamento tenha 13 escolas, 2700 alunos, não possua a estabilidade necessária, serviços administrativos adequados, espaços físicos capazes, excesso de turmas, poucos recursos humanos a nível dos assistentes operacionais, quase desaparecimento do ensino especial (só na Escola Secundária da Lousã existem 40 alunos com necessidades educativas especiais), encerramento de escolas e falta de um projecto educativo condizente com a nova realidade. Elogiar o corpo docente, manifestar a nossa solidariedade com quem sofre na pele esta “bagunça” que se instalou no Portugal que ainda é “metade Jorge de Brito e metade Jorge de Melo”, é um acto de cidadania. Mas falta fazer a reflexão crítica sobre o que se está a passar, imbuir a intervenção educativa de responsabilidade social, fazer inovação pedagógica e dar sentido ao património de cultura pedagógica que elegemos como nossa.

Reagimos lutando contra os instalados ou mantemo-nos "instalados".

Nós dois é que sabemos mas vamos reagir... Álvaro Viana de Lemos também saberia reagir porque tinha a sublime dedicação na missão de educador.