terça-feira, 19 de outubro de 2010

XICO

Naquela tarde, entre dois cafés, nós dois conversávamos sobre aves osteófagas. Aves que se alimentam de ossos, ou quase exclusivamente, e que em Portugal se extinguiram no século XIX, em Junho de 1888, quando o rei D.Carlos resolveu dar uns fogachos lá para os lados do Guadiana e acabar com os dois últimos exemplares ainda existentes. Mas para nós existem uns grifos nos penhascos do Douro internacional, mais concretamente no Penedo Durão, Poiares de Freixo de Espada à Cinta, que com a sua aparência extravagante levada ao extremo nos seus olhos com um “anel de fogo”, que se não são abutres barbudos, ou quebra ossos, são da família.

Estávamos nós nesta dissertação intelectual quando o Xico, uma espécie de piriquito, resolveu abandonar a prisão onde se encontrava, da varanda à nossa frente, e ir descobrir novos mundos. Como a jovem ave não tinha anos de treino ou aperefiçoamento como os seus irmãos do jardim Camões em Macau, onde se passeiam em tardes calmas regressando no fim do dia ao seu lar sem dificuldades, causou preocupação a quem o criou e aos amigos. O Xico resolveu dar “baile” nessa tarde de domingo e proporcionar umas visitas a varandas e telhados cá do burgo. Voltaria horas mais tarde já cansado e afirmando que antes uma gaiola segura que uma vila em que os direitos dos animais não são completamente salvaguardados.

O Xico já cantava de novo, enfeitando a pluma colorida com retalhos ainda mais coloridos de enfeites carnavalescos, quando nós dois sabíamos que na urbe maus tratos a animais, envenenamentos, abandono, instalações inadequadas para os sem dono, esterilização de cães e gatos sem regras ou inexistentes, canil provisório sem licença nem homologado, a não existência de um centro de recolha animal, são um “pão nosso de cada dia” como diriam, em 1888, os republicanos ao saber da proeza do monarca ornitólogo e pintor das aves que eliminava.

Dirão alguns que fazer o que ainda não foi feito na defesa dos direitos dos animais será um acto sem interesse, pouco importante, com processos burocráticos complicados e morosos e que envolvem muitas variáveis e que mais vale, dá mais visibilidade, falarmos de touros e toureiros. Mas é sem dúvida um acto de cidadania e de democracia e eis-nos em final do dia a ouvir o Xico a cantar Só Nós Dois É Que Sabemos. Ou seria a Anabela e o seu novo disco Nós, com produção de Laurent Filipe?


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