domingo, 18 de dezembro de 2011

NÃO HÁ HISTÓRIAS DE AMOR COM FINAL FELIZ



Um pangolim pousa no varandim da tua varanda de frajipandi e canta uma canção de sonho e de mágoa. Este sábio pássaro africano diz que eu e tu somos de uma geração da utopoia e que vivemos a vida com a poesia de quem se encontra entre um mundo onde acontecem estórias abensonhadas, estórias de amor que até podem ter um final feliz. E como tudo na vida estas estórias acabam quando começam outras estórias.

O nosso pangolim e o meu siripipi trazem no bico uma mensagem tua que me diz que “
não me envergonho de nenhuma das minhas palavras e atitudes…” E é assim que me refugiu na nossa, na tua serra da Lousã onde um dia alguém te disse que tu serias a Maria da Serra Verde. 

É nessa serra que se sonha o mundo, um mundo que contribui para a felicidade de todos os dias mas onde é difícil guardar os rios que correm à procura de um oceano de palavras, de sentidos, de desejos, do ser total.


Estórias simples de vidas, interesses, sentimentos, afetos, emoções, num marejar de desejos, de sofrimentos, de amores, de seres e estares, de um quotidiano onde o vento deixa poemas nas árvores da vida, poemas que sofrem, também, todos os dias de desamores, de desconseguirem estar em momentos reais, acontecimentos banais, singelos e naturais.


Assim é a escrita de Ana Souto de Matos que na poesia da sua vida é como um sentir, um sofrer, uma aceitação de comprender e crescer. No seu livro há um permanente, vamos tomar café?


Esse café que se transforma numa bebida de afetos, quente de sentir, de sofrer, de aceitar, de compreender e crescer que nos abre o peito desde o Índico ao Atlântico, do Senhor do Bonfim à Nossa Senhora da Piedade, da Senhora da Muxima ao ai Timor da nossa solidariedade, de S.Tomé, esse santo olhando um príncipe desencantado como o navegar de um abraço que nos envolve em Bijagós e chega a um cabo que é verde, só de nome, mas que fez nascer uma Cesária Évora que acabou, hoje mesmo, de se despedir desta viagem da vida no nosso planeta Terra e nos aguarda algures num universo de paz e felicidade para num último fôlego nos dizer que “
Nha cretcheu ja`m s`ta ta parti / Oi partida sô bô podia separano / Nha cretcheu lavantá pam bem braçob / Lavantá pam bem beijob /Pam cariciob esse bô face”.

No livro “
Não há histórias com final feliz” , Ana Souto coloca, desde o início, Afonso e Sofia numa negação de amores permeáveis a finais de sentir, de sentirem-se, do sinto, mesmo que infeliz.

Gosta-se dos livros, das pessoas dos livros, dos dias que se afundam nas noites quando olhamos nos olhos e estes olham mais longe do que outros olhos vêm habitualmente. Sofia, grande Sofia, os teus olhos fotografam cogumelos, simples cogumelos sem poesia, cogumelos da tua serra, cogumelos silvestres. Os teus olhos Sofia conseguem olhar os cogumelos mais lindos do teu universo. Ou serão flores?


Sim talvez tenhas razão Sofia, de amarmos a forma doce de sermos, de compreendermos, sensibilidades serranas mas que te colocam numa observação atenta e mesmo aguerrida e lutadora de tudo o que te rodeia.


Depois de falarmos de tanta coisa ainda consegues enviar uma prenda. Um mimo. E deixas colado na porta do desejo um Pessoa desencantado com os amores e e a vida: “
Posso ter defeitos. Viver ansioso e / ficar irritado algumas vezes, / mas não esqueço que a minha vida é / a maior empresa do mundo. / E que posso evitar que ela vá à falência. / Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver / apesar de todos os desafios, incompreensões e / períodos de crise. / Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e / se tornar um autor da própria história. / É atravessar desertos fora de si, / mas ser capaz de encontar / um oásis no recôndito da sua alma. / É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. / Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. / é saber falar de si mesmo. / É ter coragem para ouvir um `não`. / É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. / Pedras no caminho? / Guardo todas, um dia vou construir um castelo.” E para teu desepero Afonso só te respondeu com um seco “obrigado, Sofia, adoro esse poema”.

Será mesmo que as velas ardem até ao fim? Ou será que as palavras se proferem até ao fim? O que quiserem. Só sei que mesmo com sangue transmontano, gozando e partilhando a amplitude dos espaços, as margens onduladas recortadas e esfuziantes do Douro, os verdes contrastando com o azul do céu, estes não vencem o meu vermelho sangue que está todo a sul do Equador onde não há pecado e é proibido proibir. Assim como a utopia as tuas palavras acalmam-me.


Aveiro, Hotel Moliceiro, 17 de Dezembro de 2011

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